#10 "O homem na multidão"
A minha pesquisa de Doutorado é sobre o sistema de metrô, a rede e suas estações. Por serem questões que atravessam várias escalas, me trato sempre com o tema da metrópole e, entre as questões que abordo na pesquisa, é uma das que mais me interessa. Estudei diferentes formas de se aproximar do mundo urbano na Escola de Comunicação da UFRJ quando cursei uma disciplina lá, durante meu mestrado. Ali entendi que precisava deixar de achar que a cidade era tema dos arquitetos e urbanistas e mergulhei fundo nas narrativas que se debruçam sobre as cidades. A "metrópole" é um tema complexo que se depara com diferentes definições, pode ter relação com a industrialização dos modos de produção, com as cidades grandes e com as pessoas usando roupas estranhas, mas gosto de me ancorar sempre no eixo Londres-Paris, no século XIX. Sim, uma volta no tempo. Ali, duas obras de literatura deram conta da confusão que se instalava nessas cidades quando a urbanização começou a aumentar (essa parte tem a ver com a industrialização), desfazendo as redes comunitárias dos núcleos urbanos menores. A metrópole é cosmopolita por essência. Dizem que se você andar com um pavão na cabeça em Nova York ninguém nem liga. Mas foi o poeta Edgar Allan Poe que escreveu em Londres, em 1840, o conto "O Homem na Multidão". Nesse conto, o narrador segue um homem desconhecido pelas ruas da cidade: entre uma muito movimentadas e outras vazias, percebe-se como é possível estar e se sentir sozinho mesmo cercado de pessoas. Dois sentimentos contraditórios: querer ficar sozinho, estando na multidão, querer ter laços, estando no meio de estranhos. Pouco tempo depois, em 1863, Charles Baudelaire publica em Paris o ensaio "o pintor do mundo moderno", onde gravou a figura do homem que vagueia pelas ruas da cidade, o "flaneur". Ele é um andarilho urbano, anda pela cidade sem um rumo certo, observa as ruas. Vagar, se sentir perdido, se sentir sozinho. Não conhecer ninguém, não conseguir ler a cidade e respirar fumaça são experiências metropolitanas. Mas o flaneur também convida a certa liberdade. É levar um pavã na cabeã, é não se preocupar com os comentários da vizinhança. É também poder achar novas pessoas que vão ser seus vizinhos, seus amigos e seus parentes mesmo que não morem no seu prédio, na sua rua ou na sua casa.
Uma ótima viagem a todos! :)
: Dicas a bordo :
~ São Paulo colorida! Um vídeo pra você acreditar que existe amor e também existe cor em sp.
~ O renomado cartunista John Callahan perdeu quase todos os movimentos dos braços e das pernas em um acidente de carro e o filme que retrata sua vida foi uma das melhores surpresas do cinema pra mim em 2018. É uma história de humor, solidão e transformação; os atores estão sensacionais, os diálogos são incríveis, filme imperdível. Como é recente não deve ser muito fácil de achar na internet, mas mesmo que você tenha que esperar pra ver, anota que vale a pena.
~ Já o filme Mary Shelley está na Netflix e conta a história da autora do Frankstein, uma mulher que traduziu suas experiências de vida fragmentadas e solitárias num personagem que mudou a literatura e inaugurou o gênero de terror.
~Talvez você tenha ouvido falar na Elena Ferrante pela sua quadrilogia "Amiga genial". Mas ela é uma escritora que optou pelo anonimato e causou a maior polêmica no mundo literário por não envolver sua pessoa na divulgação de seus livros. O livro que eu mais gosto dela se chama Frantumaglia, um conjunto de entrevistas que ela concedeu por escrito à jornalistas do mundo todo sempre batendo na mesma tecla: o texto importa, o autor não.
~ O episódio do podcast Mamilos contra a famigerada "jornada do herói" (dá pra ouvir no Spotify também)
Até a próxima,
Luísa
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