#30 Habitar e ocupar
Exposição na Galeria Reocupa, na Ocupação 9 de Julho
A série excelente "Guerras do Brasil", na Netflix, revê alguns conflitos históricos do Brasil que a gente aprendeu na escola assim meio sem muita pesquisa. "Em todo lugar, o tempo todo, estamos em guerra. Não há paz em lugar nenhum". Aílton Krenak diz algo assim no primeiro episódio, dedicado à chegada dos portugueses no ainda não-Brasil. Enquanto a gente fica acreditando naqueles quadros pomposos de missas da conquista, esse episódio conta como por quase cem anos alguns navios chegavam no litoral brasileiro com europeus em situações tão precárias de saúde que mal teriam sobrevivido se não tivessem tido contato com os indígenas. A líder indígena Sonia Guajajara explica que seu povo demorou pra perceber que a intenção era colonizar e impor o modo de viver e habitar europeu, mesmo em terras tropicais.
As marcas desses processos de colonização estão por toda parte, ainda que a gente não se dê conta deles. Uma das tradições portuguesas era nomear uma das primeiras ruas de alguma ocupação que se iniciava como "Rua Direita". Em São Paulo, ela fica na região da Sé; no Rio, cresceu e mudou de nome, hoje é conhecida por Rua Primeiro de Março.
As ocupações se sobrepõem, mas as vezes há chance de redescobrir o que ficava escondido, como o recém inaugurado Cais do Valongo, na área do porto Rio. Ele foi descoberto em 2011, quando das obras de revitalização da zona portuária do Rio, naquele momento pré-jogos. Em 2017 foi tombado como Patrimônio da Humanidade pela Unesco, pois é o único vestígio material da chegada dos escravos. Não é coisa comum. O patrimônio histórico negro (como os quilombos) corresponde a apenas 1% dos bens tomados no Brasil, sem contar memórias esquecidas, como no bairro do Bixiga, por exemplo, conhecido por sua tradição italiana, mas que já foi um local de resistência da população negra em São Paulo.
Mas sim, o samba da 13 de maio permanece vivo, as memórias ainda estão em disputa, ainda bem.
A imagem dessa edição é da Galeria Reocupa, uma das iniciativas que estão acontecendo na Ocupação 9 de julho, como a cozinha comunitária e o brechó. É a terceira vez que o MSTC (Movimento dos Sem Teto do Centro) ocupa o prédio do INSS no centro de São Paulo, que estava abandonado há 40 anos. Um prédio gigante, uma infraestrutura inacreditável, ocupando espaço no tecido urbano da cidade. Vazia. Hoje é a casa de aproximadamente 200 pessoas.
Estando em São Paulo, não deixei de visitar a exposição, está incrível.
Uma ótima viagem a todos! :)
: Dicas a bordo :
~ Hoje, só esse textão que viraliza desde 2016, e que fala sobre centro, periferia, esquerda, cultura, e como as vezes a gente não entende nada.
Até a próxima,
Luísa
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