#45 - cidade e as crianças - parte 2
O dia 12/12/2012 foi alvo da última previsão de fim de mundo de que ouvimos falar aqui, no ocidente. Naquela noite, saí do trabalho com duas amigas e fomos dar um mergulho na praia do Arpoador. Eu tinha 24 anos e parecia um boa ideia, se tudo acabasse, estar no mar, em Ipanema. Venho pensando que talvez algo no mundo tenha acabado mesmo por ali, afinal depois de 2013 fomos ladeira abaixo. Parece que a única certeza que temos agora é de que quando essa poeira baixar, o mundo certamente não será o mesmo, as cidades e a forma como vivemos nela, tampouco. Mesmo assim, não podia imaginar que o apocalipse seria tão anti-urbano e ao mesmo tempo com uma união virtual tão forte. Estamos de quarentena, mas não podemos esquecer que estamos juntos.
#fiqueemcasa
Para as famílias com crianças pequenas, as mudanças de rotina são ainda mais desafiadoras. Hoje continuamos a entrevista sobre crianças e cidades com a minha amiga Juliana Freitas, mãe do Nico, de 4 anos e do Miguel, de 3 meses. A primeira parte da entrevista você pode ler aqui :) Agradeço de novo à ela pela atenção e disponibilidade <3. No final, compilei algumas dicas de atividades para fazer com as crianças - em casa.
* * *
7. Por que você acha importante que as crianças possam interagir e conhecer o espaço urbano?
Podemos falar sobre a importância dos parquinhos para as crianças, como espaços públicos essenciais para a socialização e ao desenvolvimento infantil (de habilidades físicas, cognitivas, sociais e psicológicas). Esses mesmos ganhos podem ser feitos do espaço público como um todo - não apenas aqueles pequenos espaços recortados para as crianças. Caminhar pela cidade, circular por ela, fazendo parte do coletivo promove o desenvolvimento de todas essas habilidades, além da promoção da consciência cívica e do respeito ao coletivo.
8. Quais são as principais consequências para a formação de uma criança quando ela cresce conhecendo apenas espaços privados e controlados?
Ocorre um estreitamento de mundo. Privamos a criança de conhecer, de entrar em contato, com uma infinidade de coisas na tentativa de protegê-las. Ampliar os espaços de circulação das crianças não significa deixá-las soltas e sem supervisão, e sim sair da nossa zona de conforto para se encontrar com o mundo. Com a calçada da rua de casa, com o bairro, com o outro.
9. Quais são as principais consequências de uma cidade que não acolhe as crianças, pra vida das pessoas num geral?
Penso que as mesmas que de uma cidade que não acolhe as diferenças. Fica uma cidade homogênea, que superficialmente funciona. Afinal, crianças sempre vão existir (as sociedades precisam delas para crescer) e estarão ocupando algum espaço. Se a cidade não as acolhe, como garantir que essas crianças serão bons cidadãos no futuro?
10. Vc morou em outras cidades antes de ter filhos, vc costumava observar as crianças pela cidade ou não?
Sim, em várias. E particularmente observava, pois a infância e a educação sempre foi uma temática que me interessou, muito mais do que ter filhos. Na verdade, comparativamente, São Paulo - ou melhor, a zona oeste de São Paulo em que moro -, não é nem de longe a cidade menos acolhedora que conheço. A maior parte das cidades que morei eram ainda menos acolhedoras. Nasci em Petrópolis, região serra do Rio de Janeiro. Não haviam nem mesmo praças públicas com parquinho, apenas um parque municipal meio abandonado. Quando pequena o único entretenimento que havia em Itaipava era um shoppingzinho. Não haviam bibliotecas, nem livrarias. E estamos falando de uma cidade com mais de 100 mil habitantes na época. As crianças brincavam em casa ou na área de lazer dos condomínios. Quando mudei para Niterói não vi grande diferença quanto aos espaços públicos. A biblioteca municipal tinha a sua parte infantil totalmente desocupada e os poucos parques públicos eram descuidados. Juiz de Fora (MG) tinha uma vida pública mais gostosa, comércio de rua, parques minimamente estruturados e uma pracinha por bairro. Ha diferenças inclusive na forma como o comércio trata as crianças, em Belo Horizonte, por exemplo, boa parte dos restaurantes tem área kids e são adaptados para receber famílias. Aqui em SP eu acho quase impossível encontrar um restaurante bom com brinquedão que não precise ser reservado três semanas antes.
Tudo isso está ligado a diferença de qualidade de vida básica entre as cidades. Cidades que acolhem as crianças são normalmente cidades com melhor qualidade de vida. Odeio falar isso (argumento supremo da classe média), mas se você viaja para a Europa você verá uma realidade impensável para o Brasil: cidades que de fato acolhem as crianças, o que vai muito além de ter parquinhos em cada bairro. Vemos cidades em que as 15h, horário que terminam as aulas, as cidades estão lotadas de crianças com suas famílias nos parques públicos ou caminhando pelas praças. Cidades que as crianças vão a pé para a escola, muitas vezes sozinhas em total segurança. Cidades em que as crianças são bem recebidas em todos os restaurantes, independente de serem para um público familiar ou não.
Na Holanda e na Alemanha existe uma coisa muito bacana: são cafés com brinquedos, para que as famílias possam ir no fim do dia nos meses de inverno, em que frequentar os parques é inviável. Chamam Kinder Cafe. Bom, são só pequenos exemplos de coisas que fazem toda a diferença no cotidiano com uma criança.
Uma ótima viagem a todos! :)
:Dicas a bordo:
~ Espaço público em tempos de pandemia: o vazio toma conta
~ A Faber Castell liberou cursos pras crianças fazerem em casa
~ Qual o impacto da pandemia sobre as mulheres? (Jornal Nexo)
~ Guia de atividades do Los Angeles Times para crianças com menos de 5 anos
~ 10 cafés e restaurantes que recebem crianças em Amsterdam
~ Dicas para organizar o trabalho em casa com crianças
~ O que a pandemia de 1918 nos ensina sobre espaços públicos hoje
~ Pra conhecer em São Paulo (pós-quarentena): Achadinhos e Quintal do Centro, espaços gostosos pra ir com a família
Até a próxima,
Luísa