#55 Uma viagem pelo metrô
Registro embaçado mas muito incrível de uma batalha de break/hip-hop na Estação São Bento do metrô de São Paulo, na década de 1980, onde se reuniam músicos, dançarinos, dj's e grafiteiros.
Essa é uma edição comemorativa, não só porque ontem foi meu aniversário (!), mas porque no último mês entreguei minha tese de Doutorado. O fim de um longo de período de seis anos de pesquisa (incluindo o Mestrado) sobre um tema que durante minha graduação eu mal tive contato: o metrô. Muitos termos circundam o tema sobre o qual eu me debrucei: arquitetura da infraestrutura (de mobilidade), mobilidade urbana, espaço público, espaço urbano, metrópole (arquitetura metropolitana). Temas que passaram a fazer parte da minha forma de ver a cidade e a vida que nela se dá, com todas as suas possibilidades e desigualdades.
Mas essa história precisa ser contada do início:
"Marcamos a mudança para o fim de agosto de 1961. (...) Numa das últimas noites, trabalhando sozinho no escritório, ouvindo a rádio Ministério da Educação, interrompeu-se uma música longa para um noticiário extra, dando conta de uma séria crise entre o presidente Jânio Quadros e o governador do estado da Guanabara, Carlos Lacerda, que o fora visitar no Palácio da Alvorada. Mudei de estação e pude ouvir uma fala exaltada do governador, acusando o presidente de estar preparando um golpe. No dia seguinte tive de manter a serenidade para prosseguir na minha virada, pois todo mundo só discutia a crise, que ganhava cores cada hora mais trágicas e imensas manchetes nos jornais".
Foi no início da década de 1960, quando o Rio de Janeiro perdeu a posição de capital nacional, que o arquiteto Marcello Fragelli se mudou com a família para São Paulo, onde em poucos anos se tornaria responsável pela coordenação dos projetos da primeira linha de metrô do Brasil. Eu conheci sua trajetória com o livro "Quarenta anos de prancheta", onde consta o trecho acima. Um livro simplesmente lindo, com fotografias incríveis e escrito em primeira pessoa, em forma de diário, algo difícil de acontecer nesse campo. Livros biográficos são geralmente escritos por pesquisadores da história da arquitetura, publicados em linguagem acadêmica. Aqui, ao longo de quatro décadas conhecemos a trajetória de Marcello, desde sua formação como arquiteto até o metrô e o fim de sua carreira, passando por momentos decisivos para o país, como a mudança da capital do Rio e a ditadura militar.
Fragelli morreu no final de 2014, e eu infelizmente só conheci sua obra no início de 2015, quando estava no mestrado e buscava um objeto de estudo onde pudesse explorar a relação da arquitetura com o espaço público. Se inicialmente eu não me animei, por pensar que o metrô seria uma obra exclusivamente subterrânea, logo vi que tinha me enganado. Seu livro me abriu as portas para muitas viagens para São Paulo e um campo de pesquisa vasto e extremamente rico: como as infraestruturas de mobilidade irrigam o solo urbano, influenciam zoneamentos, criam centralidade e formam, em maior ou menor grau, espaço público. Com sua equipe, Fragelli formou uma geração de arquitetos, como João Batista Martinez Correa, quem eu tive a oportunidade de entrevistar, e que me contou como levou seu aprendizado técnico para projetar o metrô no Rio.
Em São Paulo, a pesquisa acadêmica no campo dos transportes é mais consolidada, com inúmeros trabalhos sobre corredores de ônibus, planos urbanos e planos de mobilidade. Mas frequentemente se dão na escala do planejamento e eu queria analisar o processo de projeto dessa arquitetura. Uma arquitetura que dá conta do cidadão metropolitano, aquele que mora longe do trabalho, que se desloca cotidianamente por um território gigantesco, que encontra nos nós de mobilidade pontos de referência e apoio de suas viagens. Marcello Fragelli não é uma das figuras mais conhecidas da história da arquitetura paulistana, uma grave falha da historiografia, se posso dar minha opinião. Seu livro deixou então o registro de suas memórias e de suas obras disponíveis para pesquisadores e leitores curiosos.
Há décadas, estações e terminais deixaram de ser lugares exclusivamente de passagem para oferecem uma infinidade de serviços e conexões intermodais. Esse foi meu tema de estudo, onde analisei o metrô de São Paulo e o plano de expansão do metrô de Paris, e procurei mostrar como a arquitetura na mobilidade urbana pode contribuir para uma cidade mais acessível e democrática.
Estação São Bento do metrô em 2017.
Uma ótima viagem a todos! :)
ps. eu estou nas redes sociais de pesquisa Academia.edu e Research Gate, quem quiser acessar minhas publicações, elas estão lá.
:Dicas a bordo:
Especial dicas para distrair as idéias \o/ ~
~ "Desabitar: cartografia de um futuro abreviado": poema colagem que escrevi e fez parte da 3º chamada do projeto Desestrutura, um espaço lindo de reflexão artística sobre nosso caos urbano.
~ Aline Valek escreveu sobre estarmos vivendo a pior versão possível desse mundo
~ No Portal da Crônica Brasileira, Humberto Werneck relembra como grandes escritores habitaram e escreveram sobre suas casas, isolados ou não
~ Uma entrevista em podcast sobre Kansai Yamamoto, estilista que inspirou David Bowie <3
Até a próxima,
Luísa
PS. Quer ler as cartinhas antigas? Vai no View Letters Archive.
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