#75 Geração metrópole:
Taxa de Alfabetização no Brasil em 1970 e em 2018 - imagem desse ótimo projeto "Brasil em mapas".
Se você circulou pelas avenidas da internet nos últimos dias, deve ter visto o debate entorno do choque cultural entre gerações. Parece que, pela primeira vez na história dessa país, a galera em torno dos 30 foi vista pela geração que veio em seguida e colocada em um lugar de "ultrapassado/atrasado/fora de moda" ou velho mesmo, em bom portugês.
Eu nasci em 1988, logo eu vi a internet aterrisar em nossas casas, joguei jogo de cobrinha e fiz viagens de carro com meus pais sendo criança e não tive nenhuma tela pra me entreter. Então sim, eu conheci a vida em outro ritmo. De fato, ser visto por uma nova geração gera um incômodo. Não me sinto velha nem assim, de longe. Ainda tenho Friends em um lugar caro no coração, apesar do susto de vê-los com 20 anos a mais nos ombros naquele maravilhoso revival.
Mas o que me causa estranhamento nessa história toda é a definição dessas faixas geracionais e a sensação de que mais uma vez estamos importando conceitos norte-americanos que sopram uma neblina sobre aspectos da nossa particular realidade tupiniquim.
Acompanhem comigo:
1945 - 1965: baby boombers
1965 - 1985: geração X
1985 - 1995: geração Y ou "millenials" - eu o/
1995 - 2010: geração Z (a que começou a zueira)
2010 em diante: geração Alfa, que não virou adolescente oficialmente ainda.
Em 1945 terminou a segunda grande guerra mundial, que deixou marcas profundas no território e na memória dos países europeus, dos Estados Unidos e alguma parte da Ásia, sobretudo o Japão. Quando acabou, vidas e famílias começaram um novo processo de recomposição e a taxa de natalidade em muitos países subiu, fenômeno que deu origem ao termo "baby boomers" para os nascidos nas décadas seguintes. Mas o Brasil não participou dessa guerra da mesma forma que esses países nem teve suas cidades bombardeadas. Um de seus efeitos mais palpáveis aqui foi a recepção de imigrantes.
Parte da minha história começa aí, quando meu avô paterno, nascido na Ilha da Madeira (localizada na África, mas território de Portugual) veio para o Brasil, com 21 anos, em 1940, para não ir à guerra. Outro dado: o Brasil é local com a maior colônia japonesa fora do Japão. Percursos atravessados convergiram no Brasil mais uma vez na nossa história.
Mas eu me pergunto se, já que não tivemos "baby boomers", se elas classificações realmente fazem sentido aqui. Em 1970 o Brasil tinha 66% de taxa de alfabetização (imagem acima) e em 2918 tinha 93%. Em 1970 o Brasil tinha 90 milhões de habitantes e 50% da sua população vivia em cidades. Já em 2010 tinha 200 milhões e 85% dessa taxa. Por que não debatemos a geração que viu o Brasil aprender a ler? Ou passar de um país de maioria da população rural para a urbana? Ou que viu seus centros urbanos se verticalizarem (aquele momento em que os bairros perdem a paisagem tomada por casas e vê os prédios mais altos ganharem espaço?) Nesse quesito indico a leitura da autobiografia da Rita Lee, que retrata lindamente a São Paulo na qual ela cresceu, anos 1950, bem diferente de hoje.
Que impactos teve a geração que viu sua família deixar o nordeste para buscar oportunidades no sudeste? Ou construir Brasília? Eu gostaria de ouvir mais sobre a geração que viveu os anos de inflação, e teve uma experiência com dinheiro radicalmente diferente do que conhecemos hoje, ou certamente mais radical do que a oposição boletos X pix. Gosto de ouvir histórias das minhas tias e tios que viram a ditadura nascer, crescer e morrer no Brasil, sem nunca terem visto "delírios comunistas". Me paro surpresa pensando que eu sou da primeira geração que não viu isso, que nasceu em um Brasil democrático e acreditou que esse era o "novo normal" (nunca foi).
Gosto de pensar que nova geração, sempre que puder, não vai normalizar o ritmo metropolitano de ficar 2horas no transito pra ir e outras 2 pra voltar do trabalho. Nem roupas tão desconfortáveis que marcam. Nem pais que deixam a teira jornada só pra mãe. Nem perder o programa de tv poque perdeu o horário. Que a casa-escritório vai ser uma opção, ainda que parcial. Gosto de pensar que posso dizer aos mais novos que vi o espaço público renascer nas grandes cidades. Que vi o carnaval de rua ganhar corpo(S). Quem lembra da época que ele quase não existia (pelo menos com o volume de hoje)? Que viajava pro litoral nessa época? Quem lembra da época em que festa na rua era algo impensável pra classe média, pra burguesia folclórica que redescobriu o melhor espaço de encontro que existe: a cidade.
Vou ficar orgulhosa quando puder topar com a geração "redes sociais" (testando esse nome) e dizer que eu vi o Lula ser a promessa do Brasil, e depois o vi ao vivo falar na Avenida Paulista. Assim, bem de pertinho parecia mesmo um show. Que eu me apaixonei pela experiência de ver tudo na calçada e no asfalto: show, feira, museu, loja, bar, artistas. Que bom que o tempo passa e atrás vem gente.
Uma ótima viagem a todos!
:Dicas a bordo:
~ O jornaleiro mais antigo de SP se despede da profissão
~ "I just think the idea of being young and carefree no longer applies to our current reality. I feel old and weary."
Até a próxima,
Luísa