Estou apaixonada pela newsletter Prato Feito, do jornalista Matheus Habib, que escreve sobre comida de uma perspectiva cultural, social e muito real. Conheci pelo texto Restaurante a quilo, que me levou à uma viagem pela minhas andanças urbanas, memórias recheadas de pausas para comer, lugares inusitados, preços que mudaram tanto.
Afinal, uma vivência metropolitana nos anos 90 não poderia deixar de lado experiências muito cariocas-quase-da-gema, como o biscoito Globo que eu comia não na praia, mas na ponte Rio-Niterói. Era fim da tarde, meu pai já tinha saído do trabalho dele e rodado meia cidade pra buscar minha mãe, meu irmão e eu, e o trajeto era longo. A fome apertava e os vendedores sempre sagazes das necessidades dos viajantes estavam toda vez prontos pra que minha mãe, meu irmão e eu sujássemos o carro inteiro de farelos do biscoito, a despeito dos alertas do meu pai.
Se a vontade de ir no banheiro apertava, outro alento à necessidades urbanas das cidades americanas estavam prontos pra nos servir: o posto de gasolina, que há em toda esquina. Ali criamos outro dos grandes rituais da família gonçalves, antes mesmo que os hot-pockets invadissem os microondas espertos. Era o salgado folheado. Um cilindro em cima do balcão da loja de conveniências exibia salgados quentinhos, e o folheado era o preferido do meu pai. Comíamos então pra alimentar duas fomes: a de comida e a de carinho, ao ver a alegria dele de compartilhar algo que tanto gostava. Folheado de aeroporto é ainda hoje minha iguaria preferida pré-viagem, me levando aos tempos em que o posto de gasolina era um lugar seguro onde podíamos reabastecer as energias antes de seguir viagem.
Quem viaja pela cidade como forma de cotidiano sempre encontra um ponto temporário pra chamar de seu. Certa época, minha mãe precisou se ausentar do leva-e-traz das crianças e colocou um taxista de sua confiança pra nos ajudar. Quase todo dia parávamos na fila do gás do posto e ele nos comprava torresmo pra comer. Ele atendia pelo nome de Doutor Alex.
Mas o restaurante a quilo era a minha verdadeira paixão. Digo era porque São Paulo não tem feijão preto e todo dia o quilo me vende uma cena triste com aquele feijão desbotado que ousam chamar de “carioquinha”. Cabou a graça. Mas quando eu morava no Rio era a verdadeira festa dos indecisos. Ovo de codorna, batata sorriso, estrogonofe, feijão preto, salada de macarrão parafuso, quem precisa de filtro? O centro do Rio ao meio dia era a festa da hora da liberdade dos trabalhadores e da comida a peso. Valia a pena suportar 40º à sombra em contraste com o ar condicionado do escritório pra esticar as pernas, respirar ar puro e comer feijão preto. O carioca é feliz e sabe.
Quando estagiava na Glória eu comia um PF por 5 reais. Sempre lembro dessa história quando vem a fatura do meu cartão e eu penso o quanto gasto com comida hoje. Ou quando pago 30 reais por um café e um folheado no aeroporto. Não vou nem mencionar o estado do supermercado hoje, em julho de 2022. Fico com as memórias, mais salgadas, às vezes menos saudáveis, mas tão vivas que me dão fome.
Uma ótima viagem a todos! :)
:Dicas a bordo:
~ “The case for lunch” - uma análise muito interessante da jornalista americana Anne Hellen Petersen sobre a problemática dos horários de almoço nos trabalhos convencionais
~ O amor dos paulistanos pela padaria (leia-se “padoca”)
~ A série PSI, na HBO, retrata a vida de um psicanalista em São Paulo. Linda, muito bem feita, interessantíssima, de alguma forma é uma pequena aula de psicologia, recomendo muito. Destaque pra abertura, com montagens descontruídas de cenas paulistas.
~ A Gaía Passareli criou uma thread no substack para que escritores compartilhem dicas, experiências e suas próprias newsletters. Vai que tem muita coisa boa!
Até a próxima!
Luísa
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♥️♥️♥️♥️ Desejando esse PF de $5!