Anne Hidalgo em Paris: a prefeita da "15-minute city"
Anne Hidalgo chegando de bicicleta na Bastilha, em um dia de protestos anti-carro
“Assim, foi às mãos de uma elite, e não às massas, que foi entregue a máquina simbólica dessa Primeira Idade da Máquina: o automóvel. Era mais do que um símbolo do poder; era também, para a maior parte dessa elite, o gosto inebriante de um novo tipo de poder” (Reyner Banham, "Teoria e projeto na primeira era da máquina". São Paulo: Perspectiva, 1979, p. 14).
Quem é Anne Hidalgo?
Nascida na Andaluzia, sul da Espanha, como Ana Hidalgo, a prefeita de Paris se mudou pra Lyon, na França, ainda criança com sua família. Seu pai era trabalhador de indústria, engajado em movimentos de luta política, e saiu da Espanha governada pelo ditador Franco em busca de condições melhores de vida. Com 14 anos, Anne conseguiu a cidadania e mudou a grafia de seu nome para corresponder àquela que todo mundo já a chamava. A história de sua infância, as idas às reuniões políticas do pai e sua formação como francesa e militante (ela se formou em direito/sociologia) ela conta em uma entrevista muito legal nesse podcast (caso algum leitor dessa cartinha ouça francês).
Porque Paris pode ser uma cidade em 15 minutos?
A conquista dos carros por ruas exclusivas foi uma aposta tão bem sucedida no século XX que é fácil se esquecer de que um dia pedestres, bondes, crianças e bicicletas dividiam o espaço viário. Mas o carro era uma aposta de e para uma elite. A democratização da compra de veículos quase individuais resultou em um colapso muito claro da circulação nas cidades ao redor do mundo.
Esse vídeo explica em 2 min (em inglês) a ideia principal de Hidalgo: que todo parisiense possa alcançar em um curto trajeto a pé ou de bicicleta, os serviços básicos da vida urbana: escola, comércio, cultura e etc. Isso significa mudar a estrutura da cidade, que deixa os espaços viários majoritariamente ocupados pelo fluxo de veículos, para dar mais espaço aos pedestres e aos ciclistas (ou seja, à mobilidade ativa). Os motivos são diversos, mas principalmente o que se chama na França de "transição ecológica", com a diminuição da emissão de poluentes por veículos; e a melhoria da qualidade de vida urbana, com menos trânsito e melhor distribuição de atividades nos bairros. Mas a proposta de candidatura dela se baseia na ideia de "comunidade", que visa ampliar a participação dos cidadãos tanto nas decisões políticas quanto na ocupação dos espaços públicos e organização da vida na sociedade urbana.
Quais os poréns dessa proposta?
Tirar o espaço viário dos carros e dar para pedestres é uma postura política que já vem sendo adotada em diversas cidades do mundo, em paralelo à medidas como pedágios para acesso de carro à determinadas áreas e remoção de áreas de estacionamento (Hidalgo propõe que 70% sejam retiradas de Paris). Em Paris, mas também em cidades como São Paulo, há uma elite econômica que bate de frente com a diminuição da facilidade do uso do carro (vide as idas e vindas do limite de velocidade nas marginais), mas governos municipais com mais força conseguiram se sobrepor à esse grupo. Por outro lado, para que as pessoas que moram em áreas periféricas não sejam prejudicadas, é preciso que o transporte coletivo sobre trilhos seja impulsionado (vamos lembrar que o estopim dos protestos dos coletes amarelos em 2018 na França foi a dificuldade de deslocamento dos moradores de cidades médias onde não havia um transporte coletivo tão bem estruturado como Paris).
A proposta de Anne Hidalgo para a Paris onde tudo está a 15 minutos de caminhada.
Uma ótima viagem a todos! :)
:Dicas a bordo:
~ Como a política anti-carro ajudou Anne Hidalgo a se re-eleger
~ O podcast da Folha, Café da Manhã, discute o transporte público pós-pandemia com os jornalistas que produziram uma série de reportagens sobre o tema
~ Esse tema está sendo amplamente discutido no debate público. Outros podcasts que destaco são os programas do Expresso, do Portal Mobilize, com entrevistas muitos legais de brasileiros morando no exterior (20min); o Acesso à ciência, produzido em Fortaleza, que entrevista professores da engenharia e sociologia da UFC (50min) e o Urbanidades, da USP, que conversa com as autoras pesquisadoras do livro "Brazilian Mobilities" (50min).
~ A dupla exclusão: o arquiteto Roberto Andrés traz um panorama bem completo sobre problemas urbanos estruturais que a pandemia evidenciou - e o peso que o automóvel tem nisso tudo, na Revista Piauí
~ Como a cultura do carro conquistou o mundo: uma reportagem excelente sobre lobby, urbanização e mitos tecnológicos
~ Mobilidade nas cidades: propostas para as eleições municipais de 2020
~ E para você que é novo por aqui: escrevi sobre esses temas em outras cartinhas, futuros das cidades pós-pandemia; como o apocalipse é anti-urbano; a "15-minute city" de Hidalgo ainda como um plano; pequenos extratos sobre o passe livre; e sobre os luxos coletivos e também sobre o sistemas de caronas Niterói-fundão. Todas as cartinhas já enviadas ficam disponíveis aqui.
Até a próxima,
Luísa
PS. Quer ler as cartinhas antigas? Vai no View Letters Archive.
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