As funções e os tempos da cidade - Paris à frente do debate
A proposta de Anne Hidalgo para a Paris onde tudo está a 15 minutos de caminhada
"Esses são os tipos de medidas que você ouve há anos em cidades amigas da bicicleta como Copenhague (população metropolitana 1,28 milhão). Mas Paris é diferente: é uma vasta região metropolitana com mais de 11 milhões de habitantes que são frequentemente, embora não exclusivamente conectadas por uma rede de artérias com uso intensivo de carros. Nessa escala, esse tipo de regulamentação automotiva é algo inteiramente novo - e impressionantemente estridente" - CityLab.
A disputa continua para as eleições municipais de Paris e a atual prefeita Anne Hidalgo, em sua campanha para reeleição, aposta em um modelo de cidade para pedestres onde os serviços e atividades básicas estaria a uma distância máxima de 15 minutos a pé. Quais são essas atividades? Na imagem acima, de cima e em sentido horário, lê-se: aprender, trabalhar, compartilhar/re-empregar, se abastecer (de mantimentos), estar ao ar livre, se engajar em atividades coletivas (a imagem mostra o desenho de um teatro), se cuidar (ir ao médico/acompanhar tratamentos), circular, se exercitar e comer bem (a imagem mostra o desenho de uma feira).
É interessante que a equipe da prefeita tenha se atentado para pensar a distribuição dos usos da cidade, ao invés de apenas propor uma infraestrutura maior para o pedestre (calçadas, coberturas, mobiliário urbano, etc). E também pensar o deslocamento a pé como uma possibilidade de deslocamento real para as atividades do dia -a-dia, ao invés de apenas como passeio.
A funções da cidade foram um dos temas mais discutidos na arquitetura no século XX, muito em função dos famosos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna, que nortearam o debate público na primeira metade do século e do encontro de número 4, realizado em 1933 em Atenas, na Grécia, de onde saiu o documento "Carta de Atenas" (traduzido e publicado no Brasil e muitos anos depois). Esse documento guiou o planejamento das cidades modernas, cujo caso mais emblemático tenha sido talvez o de Brasília (falei um pouco disso nessa cartinha), e certamente um dos poucos onde a cidade pode ser concebida do zero.
Nesse documento, os arquitetos* da época determinaram que o projeto de uma cidade deveria contemplar quatro funções: habitar, trabalhar, divertir-se (lazer) e circular. Em Brasília, com essas funções separadas entre si, o resultado é uma cidade em muitos graus estanque, sem a conhecida vida urbana dos tecidos tradicionais em quadras, esquinas, cruzamentos, usos mistos dos prédios, etc. Há um setor na cidade para habitação, um outro para hotéis, outro para os prédios públicos, e por aí vai. A vida urbana teve que se organizar de uma nova forma pra acontecer naqueles espaços. A Barra da Tijuca, pra quem conhece, um bairro do Rio, também teve influência desses princípios em seu projeto original.
Falando assim de uma forma bastante resumida, pode-se dizer que uma consequências da postura "moderna" planejamento das cidades (e de outras que a corroboraram), foi a priorização da circulação via automóvel individual, já que o carro era considerado algo super moderno e solução pras grandes cidades, e um zoneamento que não combina atividades, deixando quase tudo bem longe pra se chegar a pé.
Paris já é uma cidade bastante caminhável e bem fácil de circular por bicicleta, metrô e ônibus, mas mesmo assim a cidade sofreu com um planejamento que priorizava o automóvel (um artigo bem interessante sobre isso está listado nas dicas dessa cartinha). Por isso, a proposta da prefeitura quer redesenhar a forma de circular pela cidade, atenta às discussões mais contemporâneas sobre planejamento de cidades, espaço público e vida em coletivo.
Uma ótima viagem a todos! :)
ps. usei o termo "arquitetos" e não "arquitetos e urbanistas", pois essa é uma denominação utilizada particularmente no Brasil. Na Europa e nos Estados Unidos, as escolas de arquitetura, desenho urbano, paisagismo e planejamento urbano são frequentemente separadas e conferem titulações independentes.
:Dicas a bordo:
~ Maior prêmio da arquitetura reconhece dupla de mulheres pela primeira vez (Folha de São Paulo)
~ Anne Hidalgo: já é hora de uma "15-minute city"
~ Lula recebe premio de cidadão honorário de Paris (pelas mãos de Anne Hidalgo)
~ Os carros que comeram Paris nas décadas de 60-70
~ Como as cidades estão usando arquitetura para combater inundações
Até a próxima,
Luísa
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