Atravessamentos africanos
"Autoretrato" e "Negra", quadros de Tarsila do Amaral expostos lado a lado no Masp. Fonte das imagens: Select.
Na semana passada acabou a mostra "Tarsila Popular", que tava no MASP, aqui em sp, e que tinha reunido quadros da Tarsila do Amaral que normalmente estão aí pelo mundo. A mostra teve recorde de público, quase meio milhão de visitantes. A proposta da curadoria era enfatizar os temas mais populares da artista, como trabalhadores operários e cenas do subúrbio. Com isso, colocaram logo na entrada os quadros "Negra" e "Autorretrato" lado a lado. Tarsila nasceu em 1886 e conviveu com diversos ex-escravos quando era criança. Quando ela faz seu próprio retrato, simula os mesmos gestos da mulher negra, mas preserva o manto vermelho da aristocracia brasileira da onde ela fazia parte. Estudou pintura em Paris, teve Léger como mentor e o mais perto que ela chegou da África não deve ter sido mais do que os escravos e operários de um Brasil do qual ela não fazia parte. Tarsila viveu no início do século XX mas essas aproximações seguem escassas até hoje.
Em 2017 a Feira Literária de Paraty (FLIP) deu destaque a autoras negras, e sua divulgação foi pra mim foi um momento de abrir um mapa e conhecer mais de perto lugares onde eu nunca pisei - a literatura tem esse poder. No meio de uma guerra no meio do continente, a escritora Scholastique Mukasonga conta a vida cotidiana no Burundi - pequeno país embaixo da Ruanda. As passagens que eu mais gostei foram a dos modos de construção das casas e a memória da personagem de usar uma blusa estampada com um rato orelhudo que ela só foi entender anos depois - era o Mickey. Recentemente viajei com outra narrativa - a nigeriana Chimamanda Adichie escreve em "Americanah" sobre uma jovem que sai da Nigéria para estudar nos EUA e mostra as diferenças entre se nascer negro em um país negro e de viver negro em um país branco. Confesso que mal sabia onde ficava a Nigéria e apesar de não ter gostado muito do livro (o melhor fica só no final), gostei muito de entender melhor Lagos. Esse ano decidi tomar coragem pra começar "Um defeito de cor", saga de 952 páginas da mineira Ana Maria Gonçalves que eu ganhei naquele ano e que ainda não li.
Eu ainda não consegui juntar dinheiro pra uma viagem à alguns países africanos que gostaria de conhecer, mas aproveitei tudo isso pra ir montando uma lista: África do Sul, Moçambique, Nigéria, Tanzânia e Namíbia. Pra fechar com chave de ouro seria muito legal visitar as obras do arquiteto Francis Keré, nascido em Burkina Faso, com escritório em Berlim e que hoje é reconhecido internacionalmente.
Uma ótima viagem a todos! :)
: Dicas a bordo :
~ Expresso Ilustrada explica Tarsila do Amaral num episódio excelente do podcast e ainda reproduz um áudio da própria pintora - emocionante.
~ "A mulher de pés descalços", de Scholastique Mukasonga.
~ A maravilhosa Ana Paula Xongani conta como escolheu um africano para si, uma vez que os originais foram apagados com a escravidão
~ 7 autoras negras da Flip de 2017 que ainda dá tempo de você conhecer
~ Chimamanda e perigo da história única
~ Como os jovens africanos estão revendo e criticando a tecnologia ocidental antes de aplicá-la
Até a próxima,
Luísa
ps1. Quer ler as cartinhas antigas? Vai no View Letters Archive.
ps2. Gostou dessa newsletter e quer compartilhar? Esse é o link!
ps3. Se quiser responder à essa cartinha, é só responder ao e-mail mesmo, e é muito bem-vindo :)