Se você for ao mercado e comprar macarrão, molho de tomate, pimenta e queijo, poderá fazer tagliatelle all'arrabiata na sua casa, para várias pessoas, por menos de cinquenta reais. Se for a um restaurante “normal”, pode ser que pague 40 reais em um prato individual. Se o restaurante tiver guardanapos de pano, pode ser que pague 50. Se o nome do restaurante for em italiano, pode ser que pague 60. Se o próprio cardápio estiver escrito em italiano, você estará em São Paulo.
Tá
(quase)tudo bem, eu também gosto de restaurantes. Paga-se pelo trabalho de preparo, pela comodidade, pela ambiência, pelos objetos, pelo conforto da cadeira, pelas opções disponíveis para comer, pela localização.Um dia li algo do tipo que a localização é algo tão importante pra um restaurante, que escrever sobre restaurantes é na verdade escrever sobre lugares.
Acho que também dá pra escrever sobre épocas e amigos. Quando eu era recém formada, e por alguns anos depois disso, eu encontrava meus amigos no Rio de Janeiro para beber. E ponto, era isso o que fazíamos. Se o bar tivesse batata frita ou pastel E fosse barato, aí talvez a gente comesse isso.
Um dia eu me mudei pra São Paulo, e passei a conviver com pessoas que tinham mais dinheiro. De pouco em pouco, me acostumei a pagar 50 reais em um prato de almoço numa terça-feira em um lugar normal. 60 reais por um hamburguer. 7 reais em um café expresso. 30 reais em uma taça de vinho. Alias, descobri que se vendia taça de vinho avulsamente. Também descobri que alguns restaurantes tinham chefs que eram celebridades. (E que se paga por isso também).
Um outro dia um colega doutorando me chamou pra almoçar no centro de São Paulo, para gente trocar ideia sobre as nossas pesquisas. Marcamos num daqueles restaurantes tradicionais, com móveis de madeira escura e garçons senhores. Sentamos, pedimos um suco e então ele disse “só não vamos comer aqui, porque é muito caro, um prato de almoço deve ser uns 35 reais”. Foi um momento derradeiro, tipo chá-revelação-da-minha-classe-social-doutoranda. “Essa sou eu”, pensei. Eu tinha me esquecido de que podia considerar caro um almoço de 35 reais, sem sentir vergonha disso. Terminamos um suco, levantamos e fomos almoçar em um restaurante à quilo ali perto. Minha conta deu 15 reais.
Essa semana descobri que abriram restaurantes paulistas no Rio. Com nomes e cardápios em italiano. Com pratos que custam mais do que cem reais. Eu achei que todas as pessoas ricas do Brasil morassem em São Paulo.
Mas eu amo que em plena Avenida Paulista, em frente ao meu prédio favorito de São Paulo (o “Paulicéia”), fica um bar normal, de nome “Puppy”. E que em frente ao MASP, um dos principais museus da cidade, fica um restaurante normal, com comida brasileira normal, com o melhor nome “Charme da Paulista”. Quem souber como a avenida mais famosa do Brasil escapou da especulação imobiliária-gastronômica, me conta. Obviamente, o MASP, o IMS e a Japan House tem seus restaurantes caros, mas estão devidamente escondidos dentro dos museus, e não na rua.
Na outra ponta, eu também odeio marketing porque faz coisas como o Delírio Tropical, no Rio, oferecer um prato montado pelo funcionário atrás de um balcão alla spoleto, composto por “partes” de um prato que custam o mesmo que um prato sozinho, que você tem que levantar e buscar sua bebida, seu copo, seu guardanapo e seu sal. Que basicamente faz uma releitura do sistema de bandejão universitário, mas fez você se achar descolado por estar lá e pagar caro por isso.
E aí eu voltei a morar no Rio. Sinto das pessoas menos energia dedicada ao “o que vamos comer” e mais a “quem vamos encontrar” ou mesmo “o que vamos ver”. Já eu sigo buscando um meio termo entre comer pastel no bar e jantar caro sem poder, com uma voz interior que soa como a Rita Lobo me dizendo que melhor é cozinhar a maioria das refeições, mas meu coração querendo mesmo é um pastel, um chopinho gelado na esquina.
Uma ótima viagem a todos! :)
:Dicas a bordo:
~ “Onde há cana, há pastel”, um dos textos que mais gosto do Mateus Habib, jornalista que trata de gastronomia com afeto e ainda dá muitas dicas boas:
~ “Refeições pendentes”, um texto lindíssimo da Mariana Lopes Vieira sobre comida, afeto e relações:
~Mohamed Hindi, meu canal de youtube preferido sobre cozinha e cidade.
Até a próxima!
Luísa
Luísa do céu! Texto tão lindo. Quanta coisa importante (para mim pelo menos rs) você reuniu aqui. E que fotos! Não tenho nem roupa para estar nele. Obrigado pela menção. Beijos querendo bater um PF normal com você ♥️
Me identifiquei tanto como carioca que busca uma boa experiência gastronômica, sem "filura", que eu não precise deixar parte relevante do meu salário na mesa, haha. O meio termo nunca caiu tão bem como nesse caso. Adorei o texto, Lu! :)