Especial dia das mães! - Esse é um texto que escrevi pra minha mãe há algum tempo atrás e revê-lo me trouxe memórias muitos boas. Um ótimo domingo pra vocês!
Um dia encontrei minha mãe vestindo calças. Isso não seria estranho, não fosse o fato de que, desde que nasci e até então, só tinha visto minha mãe usando saias longas. Isso seria estranho, não fosse o fato de que a escolha da maternidade, para a minha mãe, veio acompanhada de um figurino solto e macio, que não se importava de amassar e que forrava a barriga que duas crianças gêmeas faziam de travesseiro. Malhas extensas e leves, algodões e mangas eram cabanas e cobertores de três corpos que saíram um de dentro do outro pra se conhecer um em cima do outro, recompondo o cordão umbilical recém cortado das barrigas, mas não das vidas. A maternidade tardia foi uma escolha de rompimento com um armário de calças e pastas e molhos de chaves. Nasci de mãe vivida. Ao passo que os gêmeos viemos ao mundo, quatro décadas, três idiomas, alguns países e muitos livros faziam da minha mãe alguém nascida há dez mil anos atrás sem nada no mundo que não soubesse demais. A imagem de sabedoria e autoridade era composta ainda por cabelos muito ralos e claros (tinta estraga o cabelo, minha filha), alguns quilos a mais (comi tudo que podia na amamentação) e as saias longas (pode brincar). Eu deitava sobre a barriga da minha mãe, sentia a pele macia e redonda e pensava: “como deve ser triste ter uma mãe magra”.
A calça branca veio quase uma década depois, e foi uma surpresa. Era branca e justa e no começo eu não entendi, quem era aquela pessoa. Eu achava mesmo era que todos deviam usar saias, mais leves e confortáveis do que qualquer conjunto de zíperes e botões poderia jamais oferecer. Pouco práticas, tá certo, mas boas o suficiente pras nossas brincadeiras com metros de tecido. Mas naquele dia minha mãe parecia como qualquer outra, parecia também mais magra, ainda baixinha, e muito feliz com a sua nova conquista. “Novos tempos”, pensei, com medo de perder um porto seguro sem me dar conta que eu não precisava mais tanto dele. Pernas. Não precisávamos mais tanto dela, ela tanto de nós. Pernas. Aquelas eram calças de separação. Os gêmeos éramos pré-adolescentes e exigíamos menos da maternidade tardia da minha mãe. A calça branca separava pernas que podiam ser de novo independentes e umbigos que haviam vivido até então em trio.
O tempo passou vestindo ainda mais calças, na mãe e nos gêmeos, que se separaram pra nos encontrarmos em outra adulti-cidade. Descobrimos uma mãe que era história antes de ser mãe. Eu e uma mãe que até então vivia só na minha imaginação, nós e uma história que era nossa antes mesmo de existirmos. As calças eram a minha mãe que eu sempre ouvia e que eu sempre quis conhecer. Eram a irmã mais velha de sete que se criou sozinha, eram a adolescente que estudou fora, eram luta contra a ditadura, eram aulas, eram viagens. Folclores familiares que transformaram minha ideia de mãe em dois, mãe passado (toda uma vida) mulher-independente-adulta-sem filhos, e mãe presente, minha mãe, dona de casa sem talento, que tinha mais facilidade em devorar livros que em preparar café com leite sem formigas. Depois das calças vieram aulas de direção, smartphone e conta no facebook. O tempo passou e passado e presente formaram numa terceira versão de mãe e gêmeos, em três sozinhos que se conheceram de novo, se apresentaram em novos figurinos e acharam cordões umbilicais até nas distâncias, passaportes (sempre a postos) pros metros de tecido que um dia foram calças e saias e casa.
Uma ótima viagem a todos! :)
:Dicas a bordo:
~ Tá muito lindo acompanhar o processo da Gabi Oliveira como mãe de dois;
~ Sucession e a eterna briga pelo amor do pai também tá linda essa última temporada. Adorei o vídeo da Jana Viscardi sobre falar com emoção e o papel da hesitação;
~ Sobre amor e psicanálise, vale muito a pena acompanhar o trabalho da Ana Suy. Ela tem feito cursos sobre maternidade, mas não posso deixar de recomendarr seu livro sobre o amor: “A gente mira no amor e acerta na solidão”.
Até a próxima!
Luísa
Que texto é esse mulher? Me arrebatou aqui. <3