Cidade e saúde: entrevista com uma médica de família
São quase seis meses de quarentena e a pandemia NÃO acabou. O confinamento mal orientado mexeu bastante com a saúde mental dos brasileiros, que não parecem ter claras as consequências do coronavírus. A necessidade de sair e estar na cidade se sobrepõe.
Na edição de hoje, uma entrevista com minha amiga querida Marina Haas, médica de família e comunidade. Recentemente ela foi trabalhar em Maricá, município do Rio de Janeiro conhecido por políticas públicas sociais de grande sucesso, como a gratuidade do transporte público e a renda básica.
Ela fala sobre esse ramo da medicina que atua na linha de frente da saúde da população, especialmente dos mais vulneráveis. São eles que mais necessitam de uma saúde pública estreitamente relacionada com o território onde se insere, e que precisam que você fique em casa.
Meu enorme agradecimento à Dra. Marina Haas! <3
1. Como funciona a medicina de família e comunidade?
O que muita gente não sabe é que a medicina de família e comunidade é uma especialidade médica, como as outras mais conhecidas (pediatria, ginecologia, oftalmologia etc). A medicina de família e comunidade atende as pessoas ao longo de toda a sua vida, independentemente da idade, e se tem alguma doença ou não. Nós atendemos a família durante o pré-natal, o bebê quando ele nasce, todas as fases da criança, adolescência, a fase adulta, e também os idosos, com o objetivo de prestar assistência de forma longitudinal e integral, observando o contexto no qual aquela pessoa está inserida, pois os determinantes sociais influenciam na saúde da população.
Algumas das atividades que o médico de família e comunidade pode fazer, junto com sua equipe são as visitas domiciliares, são os atendimentos ambulatoriais, atividades comunitárias, reuniões de equipe para avaliar os indicadores de saúde do território e pequenos procedimentos. O que não está dentro das nossas atribuições encaminhamos para outros níveis da rede de atenção à saúde. Uma equipe de saúde da família bem qualificada consegue resolver cerca de 85% dos problemas de saúde da população que é responsável. A Atenção Básica ou Atenção Primária deve ser a porta de entrada da pessoa no sistema de saúde.
2. Ela está presente em todos os municípios do Rio (e como é o alcance no Brasil?)
Não tenho certeza se está presente em todos os municípios, mas nos 22 municípios do Rio de Janeiro acima de 100mil habitantes está presente, mas nem todos os municípios têm cobertura de 100% da Atenção Primária à Saúde, então parte da população ainda precisa dar entrada no sistema de saúde de outra forma.
Já no Brasil, a cobertura da Atenção Primária a Saúde varia bastante dependendo do município. Segundo informações do DAB – Departamento de Atenção Primária do Ministério da Saúde no final de 2019, havia quase 45 mil Unidades Básicas de Saúde, com 43.458 equipes de ESF com cobertura potencial de cerca de 150 milhões de pessoas.
3. Qual a área/território que uma Unidade Básica de Saúde (UBS) atende?
Temos 2 modelos principais de Atenção Primária, um é esse que você cita Unidade Básica de Saúde (UBS), que seria o conhecido posto de saúde, porém com médicos especialistas como ginecologista, pediatria e o clínico geral, sem ter um território de abrangência definido. O outro modelo é a Estratégia de Saúde da Família (ESF), que foi criada para reorganizar a Atenção Primária, e que tem como profissionais um médico clínico geral ou médico de família e comunidade, um enfermeiro generalista ou especialista em saúde da família, técnico de enfermagem e os agentes comunitários de saúde, e esse modelo trabalha com um território definido e mapeado de forma a permitir o planejamento e o desenvolvimento de ações setoriais e intersetoriais com foco em um território específico, com impacto na situação, nos condicionantes e determinantes da saúde das pessoas e coletividades que constituem aquele espaço e estão, portanto, adstritos a ele.
4. Qual a relação da MFC com a cidade? Como é estabelecida a relação de comunidade entre os habitantes de determinada região?
Essa relação está sempre presente no cuidado ao indivíduo, pois a cidade influencia nos determinantes sociais de saúde que uma pessoa está exposta, que é um conceito generalizado de que as condições de vida e trabalho dos indivíduos e de grupos da população estão relacionadas com sua situação de saúde. Ao iniciar um trabalho em uma nova unidade de saúde, uma atividade muito importante a ser feita para identificar a relação da comunidade com o território e com a saúde, é o diagnóstico situacional daquele local. Esse diagnóstico situacional é o resultado de um processo de coleta, tratamento e análise dos dados colhidos no local, sendo coletados da participação efetiva das pessoas que atuam e moram naquele território. É uma pesquisa das condições de saúde e risco de uma determinada população, para posteriormente planejar e programar ações, sendo uma excelente ferramenta de gestão.
5. Como está sendo a experiência em Maricá? O que vc viu de novidade aí em relação à outras ubs em que trabalhou?
É uma experiência diferente do que eu estava acostumada, pois em Maricá trabalho em uma unidade de Atenção Primária à Saúde dentro de um condomínio do Minha Casa Minha Vida, que é um programa governamental que oferece condições facilitadas para famílias de baixa renda financiar o imóvel. O processo de trabalho e a estrutura das equipes é similar, com um médico, um enfermeiro generalista, um técnico de enfermagem e os agentes comunitários de saúde. O diferencial é o território, a unidade de saúde está muito próxima a moradia das pessoas, e a enfermeira mora no território, então a relação de confiança é muito estreita entre a comunidade e a unidade, o que facilita na coordenação e na longitudinalidade de cuidado a essa população.
Uma ótima viagem a todos! :)
:Dicas a bordo:
~ Reportagem do El País sobre a renda básica e outras medidas em Maricá
~ Uma entrevista com o arquiteto Paolo Colosso sobre o direito à cidade (podcast Farol Urbano)
~ Quando um estudante norte americano decide viajar pelo país, só que pelo Google Street View
Até a próxima,
Luísa