#80 Cidades por delivery
Como ainda viver a cidade em tempos em que tudo nos é entregue a distância
Você já deve ter visto essa cena: um grupo de entregadores de aplicativos aguardando pedidos na porta de supermercados ou restaurantes. A calçada fica lotada, pode haver um estranhamento. Uma situação extremamente recente e pra qual ninguém se pôde se planejar. Há um debate corrente no urbanismo sobre a relação entre espaço público e entregadores. Talvez não seja possível imaginar um mundo sem as empresas de delivery que se consolidaram na pandemia. Mas talvez seja sim possível imaginar uma volta à vivência da cidade de comprar e utilizar o comércio como uma experiência não restrita ao consumo em si, mas também à troca, ao cotidiano, às vidas urbanas e seus cantinhos.
Com quase 70 anos de existência no Rio de Janeiro, a Livraria Leonardo da Vinci publicou esse texto super forte há um tempo atrás e ele segue ressoando na minha cabeça. Viramos o marco de um ano e meio desde o meio de março de 2020 e, com a vacinação, podemos ver uma luz no fim do túnel do isolamento social e urbano. Hoje essa cartinha só quer compartilhar essa reflexão:
FECHADA PARA SEMPRE
“Por um instante, imagine que isso seja verdade.
Imagine essa mesma placa no restaurante do seu bairro, pendurada na vitrine do seu mercadinho preferido, em todo o pequeno comércio da sua cidade.
Imagine sua cidade sem comércio local, sem vida de rua, sem cena cultural, uma cidade que gera poucos subempregos super explorados. Imagine sua cidade tomada pela economia de aplicativos com um exército de trabalhadores andando de bicicleta ou moto 14 horas por dia para a sua felicidade smart e quem não pode se sacode.
Imagine que toda a riqueza gerada nessa cidade, ou nesse estado, ou nesse país, não volte para a comunidade, não se transforme em calçamento, segurança, serviços públicos. Imagine que essa riqueza seja enviada para outro país, entesourada por bilionários em dólar.
Imagine que esses bilionários paguem muito menos impostos que os extintos pequenos comerciantes dessa cidade, ou desse estado, ou desse país. Imagine que os bilionários em dólar paguem proporcionalmente muito menos imposto que você. Imagine que esses bilionários em dólar que pagam poucos impostos e mudam as leis e fazem as próprias leis são agora os únicos clientes de seus fornecedores e os únicos a vender para você e, por isso, definem o preço de cada coisa.
Imagine que você adore preços baixos e ame frete grátis mais do que a seus parentes ou a seu gatinho ou a seu cachorro. Imagine que você faz parte de um projeto maior e que comprar um livro ou qualquer outra coisa pelo preço de uma caneta é lindo e tem poesia e é também a sua colaboração para visionários e altruístas bilionários em dólar alcançarem o espaço.
Imagine que seus dados não são seus, mas dos aventurados bilionários em dólar que, afinal, fizeram por merecer. Imagine que você pertence a eles e que eles não ligam mais pra dizer "oi, sumida".
Imagine um mundo só eficiência e mérito e que você faz parte disso, você veste a camisa e poupa dinheiro para comprar mais coisas que não precisa apenas porque você pode, porque você venceu. Imagine que os pequenos comerciantes que já não existem mais eram mesmo maus, extorsivos, incompetentes, e a vida é assim mesmo e eles mereceram, quem mandou não se atualizar, né, pequeno e dinossauro e eu avisei. Imagine que, ainda assim, você fez a sua parte e escreveu um post emocionado quando eles anunciaram o fechamento e foi até a loja deles comprar na última semana de funcionamento com 50% de desconto.
Apenas imagine”.
Uma ótima viagem a todos! :)
:Dicas a bordo:
~ Esse instagram dedicado às livrarias do Rio
~ Uma cidade onde só se anda de bicicleta
~ As melhores fotos de rua de 2021
~ Uma história oral das livrarias de rua e a pandemia
~ Dez anos do Occupy Wall Street. O que mudou? Tudo
~ O que seria considerado brega se fosse feito por pobres, mas é bacanudo se for feito por ricos: um post e comentários imperdíveis
~ Melodias de metrôs do mundo inteiro
~ São Paulo tem um bunker da vanguarda - e é imperdível
Até a próxima!
Luísa
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