1. Eu fiquei desconcertada com um texto da Fernanda Castro em
chamado “Às vezes eu falo de viver à beira do desastre”. Ele é sobre como, enquanto brasileiros, vivemos estranhamente acostumados a riscos. E me chama muito a atenção como a nossa noção de “progresso”, no sistema capitalista, navega à margem dessa situação. Fernanda conta a história da empresa em que seu pai trabalhava, que tinha uma estratégia peculiar para casos de emergências: “‘Cada funcionário sobe num quadradinho e aí a gente sabe quem tá faltando, quem tem que ir procurar.’ Um cemitério às avessas, talvez, onde a presença do corpo no túmulo é indicativa de vida”2. Isso me lembra aqueles eventos em que essa fé no “progresso”, na “tecnologia”, na “modernidade”, levaram grupos de pessoas à tragédia. “Esse reator é inexplodível” - Chernobyl explodiu porque manutenção e atenção ao processo sucumbiram sob a pressa em “mostrar serviço” (muito resumidamente). “Nem Deus afundaria esse navio” - Titanic afundou porque acelerou demais pra chegar antes do previsto nos EUA e depois o navio não conseguiu desviar da pedra de gelo. Engenheiros avisando que a barragem ia ceder e ninguém fazendo nada - Mariana. E tem as tragédias que mais parecem versões verídicas de The White Lotus por levar super ricos à lama -literalmente - do Fyre Festival ao submarino. “Não vai dar errado, não tem como”.
3. O problema é que essas narrativas escamoteiam a destruição causada pelo progresso. Porque ele causa. “Ah mas” - calma gente, não estou dizendo pra abdicarmos da tecnologia. Estou dizendo para limparmos a lente. Aguçarmos a visão para o fato de que nem tudo que reluz é ouro. Que os povos originários tiveram MUITO mais técnica para preservar o meio ambiente, o clima e a geografia do que nós povo ocidental que desmatou florestas, canalizou rios, poluiu os mares e agora estamos aí lidando com as consequências. E insistindo em achar que é o plástico e o metal que estetizam e simbolizam avanço. “Moderno”.
A
“Essa clareza do volume e da natureza do trabalho vem de pensar no campo fora desse raio transformador de tudo em dinheiro, mas também de fugir dessa ótica bucólica, que quase retoma o ideal idílico do fugere urbem dos poetas arcádicos. O problema de estar sempre frequentando o campo com essa visão é que a gente vê ele como lugar rústico onde nada acontece comparado com as cidades, mas essa rusticidade e um bom tanto de acontecimentos silenciosos na verdade são estética própria. Demanda trabalho e cultivo tal e qual a sofisticação das cidades, embora quase sempre passe despercebido pra quem não vive aquilo ali”. - trecho de um texto da Carla no Outra Cozinha.
4. A construção civil é uma indústria com muita margem pra acidentes e destruição, não só das pessoas como do planeta em si. Há umas três décadas falar de sustentabilidade se tornou obrigatório, mas muito mais no sentido de buscar soluções com mais “eficiência” climática do que repensar a construção em si. Na faculdade em que trabalho um professor da Alemanha veio divulgar o intercâmbio que se estava construindo, e, depois de falar maravilhas da faculdade de lá, da cidade e da coisa toda do intercâmbio, ele deixou quase que um “ps” pra lembrar que o foco do curso era a reforma/reabilitação de edifícios, já que a cidade já está saturada de novas edificações. Eu gostaria muito que isso tivesse no centro da fala dele e ver a reação das pessoas.
Isso tudo também me lembrou um ensaio da revista Piseagrama chamado “Desconstrução civil”, que vou deixar aqui como reflexão final, já que toda vez que eu leio eu fico sem palavras:
“Nesse estágio avançado, o domínio das tecnologias e a capacidade de fazer “melhor, mais rápido e mais barato” não são mais suficientes para manter a engenharia como protagonista no futuro.
Mas isso não quer dizer que engenheiros não serão mais úteis. Muito menos os industriosos engenhos que temos usado para maquinar a fossilização extensiva do planeta. Pois precisaremos deles para desmontar Belo Monte (e então o espírito-montanha se erguerá dos entulhos), para desfazer franciscanamente a transposição do Velho Chico, desconcretar todas as avenidas sanitárias deste país de merda, explodir mil estacionamentos pernoite, implodir tantos viadutos quanto existirem e desasfaltar ruas-bairros-cidades-inteiras, desintegrar aceleradamente cada partícula de Angra I e II e III, demolir o Plano Piloto de Asa Norte a Sul. Desmanchar a Transamazônica no tempo mítico e as Marginais em alta velocidade.
Afinal, é chegada a hora de reanimar o mundo, desantropocentrizar o humano, desmodernizar o urbano, desmistificar a produção, de os projetistas do futuro (diletantes ou profissionais) inventarem uma desengenharia profunda que reencontre sob o pavimento planetário todas as florestas por vir. É tempo de desconstrução civil”.
Uma ótima viagem a todos! :)
:Dicas a bordo:
Das propostas civilizatórias que não deram certo:
~ Os outros, série da Globoplay sobre a vida em um condomínio, está simplesmente imperdível
~ “Sí, a estas alturas ya has oído el palabro ese de antropocentrismo; pues eso, se acabó.” Essa edição da
~ Vamos virar imagens assistindo imagens
Até a próxima!
Luísa
um dos meus hobbies é construir coisas em jogos de simulação (sou um "arquiteto passional" que um dia vai criar coragem e me aventurar nessa área na vida real rs). recentemente descobri esse canal no youtube e me lembrei de você: https://youtu.be/uGGltjgT6F8
Gostei muito dessa edição, Luísa! E vixeee, tem coisa para falar disso hein haha. Enquanto sociedade, a gente foi levado a acreditar durante muito tempo em algumas ideias bem bagunçadas tanto sobre o que é tecnologia, quanto sobre o que significa ter uma vida melhor - "o progresso!", "a vida moderna!". E claro, tudo isso também passa por uma visão completamente colonialista de mundo, de não pensar que toda essa tecnologia disponível em um lugar pode estar destruindo outro, e de que algumas tragédias são "menos importantes" que outras porque estão acontecendo longe dos grandes centros. Muita coisa pra pensar haha adorei <3