Diários de uma professora

Cena de “Escola do Rock”, com o professor ensinando o que realmente importa

Chegou o dia em que as aulas presenciais voltaram ou eu voltei presencialmente às aulas ou minha presença se tornou uma das coisas na sala de aula e agora eu leciono várias novas matérias e vejo várias novas alunas e alunos com muita vontade de serem arquitetes. O primeiro mês passou como uma torrente, já o segundo, com um pouco mais de maturação. E cada manhã em que eu posso sair de casa pra trabalhar depois desse período esquisito da pandemia me parece uma boa sorte.

As aulas são:

• Um choque de presença → passei tantos anos fazendo trabalhos que me demandavam mais ou menos da minha mente e do meu corpo, que minha cabeça ansiosa estava sempre pensando mil coisas enquanto trabalhava - inclusive sobre o próprio trabalho, sobre como o estava desempenhando, sobre as tarefas que ainda estavam por fazer e etc. Na aula, não. Não há espaço para pensar em nada e fazer nada que não seja o que já se está fazendo, ou seja, criando conexões humanas e expandindo conhecimentos com quem está ali, partilhando do mesmo espaço físico comigo. Em 2022, parece mágica.

• Um espaço de dúvida → das alunas e alunos, mas também meu. Um espaço contínuo de trocas, de questionamento, de expansão, de pesquisas rápidas (tenho um computador e um projetor à mão!).

• Feitas por pessoas → pode ser o conteúdo mais técnico possível sobre as diferentes representações de linhas em desenhos técnicos específicos de escadas em elevação, mas a energia que pulsa na sala de aula é a da aluna jovem e ansiosa, que se deparar com um erro que demanda redesenhar, em contato com a do aluno idoso que compartilha sua tranquilidade e que usa um material de 20 anos de idade, pois sim, ele guardou.

• Onde se deve cultivar confiança → prometi a mim mesma que, em nenhuma hipótese, direi a uma aluna ou aluno que ela não é capaz, que não deve ser arquiteta, que não serve praquilo ou qualquer coisa do gênero que não sei porque cargas d’água um dia virou moda nas faculdades que envolvem criação/composição/exposição. Toda e qualquer crítica deve servir para o crescimento da pessoa em questão, e nada mais.

• Uma renovação da profissão → foram muitos anos pensando nos problemas do mercado de trabalho da arquitetura e urbanismo, para agora me deparar com tantas(os) estudantes que veem nesse lugar a expectativa de um futuro melhor. Que vieram, por sua vez, de outras profissões que os geraram cansaço, vontade de mudança. Me traz um sentimento inesperado e refrescante, a ideia que esperam de mim notícias das possibilidades que estão em aberto. Tão em aberto que entendi que não cabe a mim delimitar.

• Bonitinhas, em uma faculdade particular → a faculdade pública em que estudei (e todas as outras que visitei), eram amplas e áridas. Tinha halls, corredores e varandas amplas, com concreto aparente em quase todas as superfícies; as janelas iam do piso ao teto e se avistava o mar. E faltava papel higiênico nos banheiros, faltava ar-condicionado nas salas, faltava ainda mais no verão. Na faculdade em que dou aulas, tem uma bolsinha de plástico com caneta e apagador de quadro branco com uma etiquetinha que diz “professora Luísa Gonçalves”. Confesso que não sei se acho isso exatamente bom.

Uma ótima viagem a todos! :)

ps. Se você gostou dessa edição, me conta, isso pode virar uma pequena série de registros da experiência como docente e da faculdade :)

:Dicas a bordo:

~ Surpresas, desvios, poesia. Liniker, Karine Teles e meu ídolo Seu Jorge: saiu a segunda temporada de Manhãs de Setembro! (Prime Video);

~ Sobre rever o mesmo filme e entender a passagem do tempo (na própria vida):

Andanças #10: Frances Ha

~ Annie Ernaux ganhou o Nobel de literatura e por quê isso é tão importante:

Annie Ernaux: uma mulher para amar

Até a próxima!

Luísa

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