Em busca de uma metrópole
Enquanto China e Japão foram expoentes da construção de redes de metrô no oriente, é Paris que tem hoje o maior projeto de expansão desse modal de transporte em todo o ocidente. Nessa cartinha eu falei sobre a proposta para a cidade e os transportes da recém reeleita Anne Hidalgo para a prefeitura de Paris, mas hoje vou falar sobre a região metropolitana da capital, pois estudei esse plano enorme do metrô no doutorado sanduíche que fiz em 2018.
O Grand Paris é um plano de transporte, mas também de habitação, de criação de bairros e de conexão: sobretudo, tem uma vontade enorme de fazer existir a "metrópole" da grande Paris. Hoje, essa é uma instância de certo modo ficcional: em entrevista com uma das representantes da Société du Grand Paris, eu descobri que o diálogo principal acontece com os prefeitos dos diversos municípios, e não com os representantes da "metrópole".
A França já foi, em si, uma metrópole, com territórios dependentes fora até mesmo da Europa. Até hoje, a Guiana Francesa e algumas ilhas se referem ao país como "metrópole", a cidade-mãe. Assim como Portugal já foi metrópole do Brasil e por aí vai. Mas não é esse tipo de metrópole que o Grand Paris quer criar, e sim uma que se refere ao território expandido de Paris. Pelo lado negativo, pode haver expulsão das populações mais pobres com a valorização da terra (processo conhecido como gentrificação), mas pelo lado positivo, pode haver uma valorização simbólica dos inúmeros municípios que circundam Paris, e que hoje são conhecidos como banlieue (que se traduz como periferia, mas não é exatamente o que entendemos por periferia no Brasil).
Amplamente ocupado pelas classes trabalhadoras, os municípios ao redor de Paris tiveram uma grande presença de prefeituras comunistas a partir dos anos 1920 (oriundos da crescente industrialização na europa), motivo pelo qual foram chamados de banlieue rouge (periferia vermelha) ou ceinture rouge (cinturão vermelho). Essas governanças promoveram habitações de maior qualidade para os trabalhadores, serviços de saúde e educação, e alcançaram seu apogeu nos anos 1970, menos como um partido revolucionário, mas mais como um partido de esquerda que preza pelo direito dos trabalhadores. Nas últimas décadas o PCF perdeu lugar para outros partidos de esquerda, mas suas marcas, ainda estão por toda parte, nos nomes das ruas e das escolas (esse ótimo texto sobre o assunto relata Avenida Lênin, escola secundária Rosa Luxemburgo e Jardim de Infância Ângela Davis!!!).
O metrô de Paris, largamente conhecido por sua rede super densa, não alcança esses municípios, por isso um dos objetivos da expansão da rede para a periferia é levar o metrô lá e promover conexões em arco, ou seja, entre os próprios municípios vizinhos (hoje, para ir ao vizinho de transporte público você tem que pegar o metrô ou trem até o centro e voltar, mais ou menos como acontece em São Paulo). A expansão da rede não é tão densa (afinal a área da expansão é gigantesca) e as estações, mais distantes entre si, vão promover integrações intermodais (entre vários tipos de transporte), e funcionar como espaços públicos e centralidades de bairro. Há um limite delicado entre a preservação de suas histórias e identidades, e a perda do caráter "marginal" que esses municípios e seus habitantes muitas vezes tem em relação à capital, com a construção de um sentimento de pertencimento a uma "grande Paris".
Uma ótima viagem a todos! :)
:Dicas a bordo:
~ "Recursos desumanos" um seriado Netflix que passa não em Paris, mas na Grande Paris. A série tem como pano de fundo a crise da aposentadoria e trabalho para os mais velhos, mas também fala muito dessa vida metropolitana. Os marcos urbanos saem do eixo Torre Eiffel - Bastilha pra mostrar ícones nos municípios às bordas, como La Défense e les choux de Créteil.
~ Um texto incrível sobre o patrimônio comunista na banlieue de Paris
~ "A aventura do pedestre": uma resenha sobre o novo livro de Michael Sorkin sobre Manhattan
~ Esse lindo ensaio sobre presença, na Revista Amarello
~ A sede do Partido Comunista Francês, em Paris, projetada por Oscar Niemeyer
~ A newsletter que eu escrevi sobre os eventos culturais que acontecem nas obras do Grand Paris Express
~ Meu momento nostalgia no instagram com lembranças dos meus passeios incríveis pela banlieue
Até a próxima,
Luísa