Em nenhum lugar, em todos os lugares
Três vezes eu me mudei pra São Paulo. Na primeira com as pernas, pra ficar em pé. Na segunda com o coração, pois fui com família, e na terceira com os braços, que são a extensão do coração. Faz três meses.
No meio do caminho me mudei pra Paris, e fiquei com a impressão de que ter passado dois anos aqui me ajudaram lá. Agora essa impressão se inverte, e acho que ter morado lá me ajuda aqui.
Esse pequeno texto eu escrevi em junho de 2018, quando ambas experiências metropolitanas se somavam na minha cabeça. Queria compartilhar com vocês:
"Terra da Garoa"
Não, em Paris não tem garoa como em São Paulo. Mas, por vários motivos, me lembrei muito de quando me mudei pra lá, há dois anos atrás.
Mudar é estranho, sempre. Mudar pra onde ninguém fala a sua língua é como colocar o mundo em mute, um silêncio que só (!). É irritante falar em francês e alguém responder em inglês, ou passar uma frase inteira sem que vc entenda uma vírgula. É também quando alguém te corrige dizendo a exata mesma palavra que vc acabou de falar. O misterioso mundo dos sotaques um dia ainda vai me engolir.
Em Paris, como em São Paulo, todas as estações acontecem em um dia. É quase impossível estar com a quantidade certa de roupa pra um sol forte que aparece do nada às 14h depois de estar um vento frio e nublado meia hora antes. Ou pensar em calçar uma bota pra chuva que só vem às 11h quando vc saiu de casa às 8h com sol forte.
Em Paris, como em São Paulo, é preciso exercitar a arte de não ir. Pra quem, como eu, acha difícil dizer não pra um evento legal, é um exercício. Mas também é mó onda que em todos os lugares, todos os dias, há um novo festival, aquela exposição, uma estréia imperdível, um gosto bom de fervo. Então com tédio você não fica. Fora o fato do sol nessa época (início do verão) estar indo até dez e meia da noite, então qualquer hora é hora de sair.
Em Paris, como em São Paulo, é quase tão mais fácil achar alguém de fora do que um nativo, a cidade é assim tipo um ímã. E quando você é de fora, esse grupo cria ainda mais uma versão da cidade. Alteregos, estranhos que se unem com um objetivo comum: ganhar a cidade, sobreviver na selva (pedras?), sair mais forte que entrou, não esquecer quem se é mas se mudar um pouquinho. Fazer de cada hora um mundo, comer croissant, comer falafel, comer massas, comer tapas, comer no macdonalds, quando nada mais faz sentido. Ver o por do sol às dez, esquecer a hora de acordar, esquecer onde se está. Não entender o fuso horário, ficar tentando alcançar os horários dos amigos de lá, cair nos vinhos bons e baratos dos amigos de cá.
Em Paris, como em São Paulo, há pessoas malucas andando pelas ruas. Não são necessariamente moradores de rua, mas simplesmente meio malucas. Falando sozinhas. Dá um aperto no coração e uma sensação de não saber o que fazer. A metrópole não é fácil pra ninguém, mas pra alguns é menos ainda.
Em Paris, como em São Paulo, há abreviações fofas pras palavras. Segue uma listinha:
Francês:
bac (bacharelado) - fac (faculdade) - archi (arquitetura) - dac (d’accord = ok -literalmente seria “de acordo”-) - restô (restaurante)
Português em sampa:
burocra - padoca - Ibira - milita - breja - feijuca (feijoada)
Mudar é estar em todos os lugares ao mesmo tempo.
Uma ótima viagem a todos!
: Dicas a bordo :
~ "Baby baby, não adianta chamar oh não, quando alguém está perdido, procurando se encontrar" ~Rita Lee, 1975
~"Bem-vindo à Marly-Gomont" - Filme francês lindo e leve que conta a história real de uma família africana que se muda para um pequeno vilarejo quando o pai se torna médico (Netflix).
~ Dez casos de grande arquitetura no mundo que passam desapercebidos - até banheiro público tem! (El País)
~ Subir ou descer a Champs Elysée uma questão política e simbólica (Common Edge)
~ Comunidades segregadas em Nova York e a forma impressionante que o NY Times está buscando de mudar a forma de se ler jornal online
~ O que o google maps tem a ver com a cobrinha mais querida dos celulares dos anos dois mil
Até a próxima!
Luísa