Entre o salto e a queda o vôo é livre
No último final de semana passei por cinco bairros distantes entre Rio de Niterói carregando uma mala com quinze livros, porque eu tive a brilhante ideia de dar uma palestra a partir de livros e não de slides, e não me toquei que seriam dias nômades, apesar de sempre serem. Fico pensando se carrego algum gene de caixeiro viajante, ou se é só a vida me mostrando que é impermanente, independente da minha escolha. Quando criança morávamos no início de uma cidade grande e estudávamos no final de outra cidade grande, não me pergunte o porquê. Até hoje me sinto em casa na Ponte Rio-Niterói, que tem uma vista tão linda da janela, um ritmo gostoso sem trânsito e árvores navais bem grandes e iluminadas no quintal.
São Paulo tem 20 milhões de habitantes na região metropolitana, mas ainda é o lugar que eu sinto mais menorzinho, mais vizinho, mais sofázinho. Uma das fotos que mais gosto aqui é de uma volta pelo minhocão num domingo, com meu irmão. Sentar no asfalto mexe comigo.
São Paulo tem muitos sotaques e isso é um pouco bizarro pra quem, como eu, vem de um lugar onde quase todo mundo fala igual. Aqui uma pessoa pode falar anasalado e colocar um I onde nós cariocas colocamos um A (noveInta-noveAnta). Outra pode falar o R com a pegada italiana, como dr. Dauzio Varella, ou ainda aquele mais enrolado como no interior do país. Tem também daquele R bem estalado que também usam os gaúchos. O fato é que ouve-se de tudo. Soma-se a isso o fato de São Paulo é um lugar que recebe gente de todo o país, e ouso dizer que se você não nasceu aqui é bem provável que você conheça mais gente dos quatro cantos do Brasil do que paulistanos natos.
Até onde me consta o Brasil não tem lá um grande histórico de povos ciganos (e é por isso que eu não vejo lá tanto problema nessa fantasia como na de índios), mas na europa cheguei a ver algumas pessoas que vivem assim. Me intrigava o fato de que um mesmo país pode falar várias línguas, a Espanha, por exemplo, tem 4 idiomas oficiais: Castelhano, Catalão, Galego e Euskera - aquele bem diferentão do país Basco. França e Itália também tem dialetos internos bem diferentes entre si. Mas quando paro pra pensar, estranho mesmo é alguém desenhar uma mesma fronteira em um território tão grande e estipular que a língua vai ser essa ou aquela de cima abaixo. Acho que os grupos, os nossos, as comunidades, sempre estiveram mais ou menos perto.
: Dicas a bordo :
~Só Garotos, livro da cantora americana de rock Pati Smith, acho que é um dos meus preferidos. Ela chega em NY com uma mão na frente e outra atrás, conhece Robert e eles perambulam pela cidade enquanto vão se construindo como artistas. Ela, roqueira, ele, fotógrafo. Apesar de todos os reveses, o texto tem um tom lindo de fé na arte e na vida nesse período em que os dois eram bem jovens e moraram lá.
~ No Instagram, alguns fotógrafos publicam uma São Paulo que é tão bonita de se ver <3. Gosto muito do @omanoelsá, @vitornisida e @mappellemarie, minha preferida.
~ Esse vídeo do psicanalista Cristian Dunker falando sobre o filme Bohemian Rapsody, que conta a história da Queen. Adorei a relação que ele mostrou entre a banda e a questão cigana, boêmia e libertária.
~ Esse clipe do Beirut. Porque nem toda viagem precisa ser na realidade (spoiler: o final é lindo demais).
Até a próxima,
Luísa
ps. Quer ler as cartinhas antigas? Vai no View Letters Archive.