Eu dedico essa crônica ao meu pai, que sempre venceu a cidade. E porque amar não é: implicar com a pessoa por ela não fazer as coisas como você faz. Amar é: conhecer a pessoa, perceber como ela se mostra nas sutilezas, e amá-la ainda mais.
Humilhações metropolitanas
Luísa Gonçalves
Há sempre um barulho de obra. Uma britadeira constante, em todas as ruas da metrópole. Não se cansam de construir. Tirar asfalto, replantar, ninguém quer. Outro dia cancelaram as aulas por conta do calor. Hoje chove no Rio de Janeiro, o que finalmente dá ao carioca a oportunidade de ficar triste. Chorar de tristeza e de barulho de obra. Ou porque abriram mais uma farmácia, não é possível. Não sei se as farmácias em breve vão vender roupas, já que não deve ter essa quantidade de gente comprando remédio. Ou talvez tenha. No segundo dia de aulas, descobri que tenho alergia a giz. Vou virar uma daquelas professoras frescas que usa giz com capa. E nem tava tão calor assim. Na rua de casa, terminaram de usar a britadeira, agora usam algum tipo de serra pra metal. Fugi pra roça. Aqui não tem obra, mas o vizinho resolveu cortar grama e todos os cachorros da rua começaram a praticar canto coral. Já o meu pai, inconformado com a dificuldade de medir a porção de macarrão que uma pessoa consome, definiu que são cem fios e passou a contar toda vez que cozinha. Um por um. Minha mãe desistiu de casar os potes com as tampas. Agora vai tudo pra geladeira sem tampa e pronto. Voltei pra casa. Meu pai desaprovou o motorista de celular que eu chamei pois ele usava camisa sem mangas. Bateu sessenta graus no Rio de Janeiro. Mas só na Zona Norte. Na Zona Sul, embarcações enormes seguem na praia carregando todas as mercadorias que existem no mundo. Revezam com a temporada de cruzeiros, que já começou. Em cada navio, uma cidade repleta de pessoas (que não têm medo do mar). O mar sim tem medo, do Rio de Janeiro, que lhe destinou muitos maus-tratos. Aterro, esgoto, navegação, competição. Na orla do centro, não tem areia. Da rua “Praia do Flamengo”, não se vê a praia. Do calçadão de Copacabana, não se vê o mar (ao menos não de perto). Pedi pro meu pai me visitar, mas ele tem medo do deslocamento. Acho que a metrópole o traumatizou. Disse pra ele que a porção de uma pessoa se mede encostando a ponta do dedo indicador no meio do dedo polegar. Não o convenci. Noutro dia que apareci pra jantar, ele contou 300 fios, cem, pra mim, cem pra minha mãe, cem pra ele. De manhã, ele foi cortar a grama. Os vizinhos fizeram churrasco. Achei ruim, mas agradeci por não ligarem uma britadeira. De várias roças é feita uma metrópole. Perguntei ao meu pai se ele queria fazer um cruzeiro, ele disse que prefere fazer o próprio macarrão.
Uma ótima viagem a todos! :)
Até a próxima!
Luísa
nossa adorei a dica do macarrão, obrigada!
Que texto mais maravilhoso! Na cidade onde nasci, todo dia às 9h passa um carro informando todos os preços do mercado do bairro. É o deadline para quem ainda estava dormindo.