A competição entre dormir ou acordar às 5:30h pra remar é injusta. A melhor coisa para se fazer em uma manhã no Rio de Janeiro é remar. O sono não passa de uma metáfora distante quando o ar fresco da manhã encontra as marolinhas das praias da baía e a neblina de um sol que, como eu, ainda não acordou.
A enseada de Botafogo é uma não-praia. Depois de Marc Augé cunhar o conceito de não-lugar, gostaria de apresentar o de não-praia: não tem quiosque, não tem barraca, não tem mate-com-limão. Em um dos bairros mais densos do Rio de Janeiro, a faixa de areia é esvaziada. Não tem como chegar na praia atravessando a rua a pé, o calçadão é atropelado pela ciclovia, a arborização é estranha. O mar não tem ondas e a qualidade da água tampouco deixaria nadar. Onde devia ter banhistas, tem uma coleção de barcos com nomes fofos, como “mar de gente” e “cuca fresca”.
O remo me parece ser um exercício físico especialmente útil pra vida, pois se apresenta como uma metáfora - é uma atividade repetitiva, braçal, meditativa e absolutamente sem sentido. Você junta as pessoas, faz uma manobra rápida para empurrar a canoa e entrar no mar. Levanta o remo, enfia na água e puxa. A primeira vez é difícil, depois a canoa entende o convite e começa um balanço. Uma sinergia se estabelece. Um respiro fundo, uma olhada no entorno, você se torna parte da paisagem. Não há nada que justifique seis pessoas desconhecidas empurrando uma canoa baía adentro e, ainda assim, a coisa toda é fascinante.
Acho que tem a ver com a geometria da canoa. Não é uma lancha, que te deixa a uma certa distância do nível da água. Não é um navio, em que essa distância é ainda maior, ou mesmo aqueles cruzeiros que parecem naves alienígenas dos anos 90. Não tem nada pra cima, velas, cabos, coberturas, tendas. Não tem nada pra baixo, um abrigo, um cômodo. Só é possível ficar sentado, como uma reverência ao mar. Dentro da canoa, a água fica a pouco mais de um palmo de mim. Estou no mar. Vejo o mar. Toco o mar. Sou o mar.
Meu amigo João me sugeriu testar o remo olímpico, que tem um engenhosidade melhor, onde você usa corpo todo pra fazer a canoa mexer. Mas eu sou competiviva demais pra testar qualquer atividade que me faça andar para trás.
(Sim, eu digitei um ato falho onde troquei competitiva por competi-viva. Vou deixar vocês com ele).
O Pão de Açúcar não se move nunca, nem com o sol, nem com as ondas, nem com o vento, está imóvel, sempre. De vez em quando ele muda de forma. De frente parece pequeno, escuro, conciso. De lado fica duplo, largo, verde e com o bondinho no meio. Quantas vezes fui abraçada por essa montanha. De repente fica alto, firme, imponente. O remo des-cobre montanhas.
O Rio de Janeiro é mar, morro e brejo. Quem teve a ideia de fazer uma cidade aqui? O literal é todo entrecortado, seja pela natureza, seja por nós. Que linda a baía que se abre em oferenda para o Dedo de Deus.
De Copacabana à Penha, a orla é toda inventada. Por nós, humanos. A faixa de areia foi estendida, o aterro construído, vinte e seis ilhas foram unidas pra virar o Fundão. Derrubaram morros, estenderam a areia, asfaltaram, asfaltaram. Plantaram árvores, desenharam um parque, refizeram a fronteira entre água e terra. Já o Pão de Açúcar, segue imóvel, a cada remada que eu dou.
Uma ótima viagem a todos! :)
:Dicas a bordo:
~ “A sociedade da neve”: um filme triste, lindo, impressionante.
~ A vida dá voltas - um texto bonito da
~Alice Caymmi gravou MC Marcinho e ficou lindo <3
~ A
vai dar um curso sobre Pessoas normais, da Sally Rooney!~ Sobre amizades, cidades e vida “adulta”: parei nesse texto da Rosie Spinks
Até a próxima!
Luísa
quando eu morava no Rio eu remava quando o sol se punha na Urca, depois me recuperava tomando uma cervejinha na mureta, eram dias felizes também. amei ler seu texto e me lembrar desses dias. um beijo Lu.
Que lindo Lu!! ameeeeei o texto, me deu saudade de escrever em fragmentos <3