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Imprevisão do futuro
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Imprevisão do futuro

das tentativas inúteis de dar conta de mais que o presente

Luísa Gonçalves
Apr 1
4
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“Celacanto provoca maremoto 2008” (detalhe). Obra de Adriana Varejão.

O intervalo foi só de uma semana, mas o que aconteceu foi:
segunda-feira: aniversário de 70 anos do meu pai;
quarta-feira: uma amiga perde a irmã para um longo câncer;
quinta-feira: uma amiga dá a luz à uma linda menininha;
sábado: completa um ano o falecimento de uma outra amiga.

Uma semana bastou pra escancarar o ciclo “vida-morte-vida” ao qual estamos todos submetidos, independentemente do quanto tentemos prever o futuro, e do quanto tentemos planejar, e olha que eu tento.

Percebo que ao fazer mestrado e doutorado, pra mim, era muito reconfortante saber que dentro de um prazo x, eu teria que entregar um trabalho. Um prazo x de anos, no caso. Vivi tanto tempo assim que, passados já dois anos da defesa do meu doutorado, ainda sinto certa angústia ao não ter um prazo fixo ali na frente pra entregar alguma coisa.

“Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieto e agitado: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o coração” - O pequeno príncipe.

Como vivem as pessoas que não sabem o que esperar? A que horas vão preparar o coração? De nada adianta começar a ser feliz desde as 15 horas se nos atravessa repentinamente um acontecimento que muda o rumo.

Deveria eu, no cerne dessa obstinação, ter trabalhado com planejamento urbano? O plano diretor das cidades tem validade de dez anos. Dá tempo de participar de uns 6, talvez? Ao longo de uma vida? O que significa mesmo “expectativa de vida”? Meu namorado é estatístico, ele deve saber. O Plano Diretor estabelece como a cidade deve crescer, suas prioridades, muito abstrato. Fui para o projeto de arquitetura, onde se preve de tudo, por onde as pessoas entram, saem, onde dormem, onde tomam banho, onde fazem reunião, onde se sentam. Mas não há como saber a que horas abrirão as janelas, pois precisam gritar. A que horas estarão debaixo do edredon apesar do sol. Houve arquiteturas que tentaram não prever as coisas. Falharam ainda mais?

Faço muitas listas. Todo os dias. Faço caber nelas coisas impossíveis para que elas possam dar errado e eu refazê-las. Há quem diga que meu dia tem mais de 24 horas. Talvez tenha mais de 24 obsessões.

“É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um belo horizonte, é uma febre terça
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração”

“Águas de março”, Elis Regina, 1972.

Uma ótima viagem a todos! :)

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:Dicas a bordo:

~ “Lelé: um projeto de Brasil” - esse episódio do podcast Betoneira sobre o arquiteto que projetou e sonhou uma vida pública e democrática para todos;

~ Sebastião Salgado e a exposição “Amazônia”, no Sesc Pompéia

~ E a Pinacoteca traz Adriana Varejão!

~O boom de artistas drags, trans e travestis no podcast Expresso ilustrada

Até a próxima!

Luísa


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