Escolhi visitar Inhotim durante a semana, de férias. Sozinha, me proponho um esquema intensivo: viajo à noite até BH de ônibus e da própria rodoviária pego o ônibus pro museu. É noite na estrada e a poltrona dificulta o sono; penso que chegar cansada pra passar o dia todo em pé não é uma boa ideia, mas curiosamente consigo cochilar na ultima hora e chego acordadíssima. O esquema funciona: o terminal rodoviário de BH é bonito e organizado, deixei minha mala no guarda-volumes, tomei um bom café e sigo pra fazenda. Viajar sozinha é um encontro saudoso comigo mesma. Sei que Inhotim tem um histórico problemático, que a concentração de renda combinada com latifúndios combinada com Minas Gerais nunca dá bom, mas dessa vez pelo menos deu arte, e decidi me concentrar nisso.
Descubro uma visita guiada gratuita logo na entrada e sigo com um pequeno grupo pelo universo nem sempre amigável da arte contemporânea. Primeira galeria, Cildo Meirelles, pisamos em cacos de vidro, vi pouco sentido. Segunda sala, uma ficção-fixação em vermelho, que baque. Muitas coisas me vem à cabeça naquele momento, como em uma cena de filme: alguém abre a porta, convida colegas para conhecer sua sala lindamente decorada, sem mencionar o fato de que todos os itens do ambiente são vermelhos, à exceção das paredes brancas que apenas acentuam o contraste. Móveis, objetos, comidas dentro da geladeira. Os convidados se entreolham “eu conto ou você conta?”. Se não for a arte a jogar com os limites entre sanidade e loucura, não sei o que será. Fiquei muito interessada na ideia de que essa obra dialoga com um tipo de temperamento obsessivo, que às vezes aparece em artistas, às vezes em outras pessoas. Tentamos manter as aparências, em que momento ela transborda? Curiosamente, nesse dia eu vestia vermelho.
Um dos filmes mais lindos que vi nos últimos anos chama-se “Esperando Bojongles”, é francês e conta a história de uma mulher, com seu marido e seu filho acompanhando seu duro processo de enlouquecimento. Começa quase assim, como uma sala bem decorada, um gosto levemente excêntrico, um desprezo pela normalidade do mundo que, bem, merece desprezo. E depois a coisa descamba de um jeito forte, mas sensível. Recomendo muito.
A visita termina, sigo com meu mapa. Os caminhos de Inhotim são tão bonitos quanto as artes. Nos dois dias que visitei fazia sol e o dia brilhava com muita intensidade. As cores estavam tão acentuadas que a própria paisagem funcionava como obra de arte. Algumas galerias ofereciam o choque do escuro, do breu, e do frio. Lygia Pape pendurou fios de aço em uma sala com poucos pontos de luz, e, circulando, metade deles sumia no escuro. Carlos Garaicoa construiu uma maquete de uma cidade inteira em cera de vela e acendeu alguns pontos. Nunca vi metáfora mais condizente com o tempo que passa no urbano. “Pedimos por favor não acender nem apagar nenhuma vela”. Valeska Soares Reveste sua cabana de espelhos, dentro e fora. Fora, reflete a floresta. Dentro, reflete a mim mesma, mil vezes. “The look of love is in your eyes…” é o que toca enquanto um casal dança na projeção virtual dos espelhos, fazendo com que eu me enxergue no palco deles.
Dos caminhos abertos em torno dos lagos, encontro trilhas. Não sabia que no meio da floresta encontraria galerias. Que ideia fantástica. Pavilhões de vidro, labirintos, geodésicas, a obra humana é menor que a natureza, mas faz pensar. Que lindo respirar ar puro e ouvir barulhos da mata antes de visitar a galeria do Tunga. Pra quem esperava ver mais arte contemporânea que outra coisa, me supreendo demais com a natureza. Ela rouba a cena. As trilhas, os jardins projetados, o jardim do deserto. Os filodendos, as palmeiras, as bananas-rosas, as helicônias, os bancos de Hugo França.
Que vontade de ficar em Inhotim.
Dados práticos: em dois dias, sozinha, eu pude visitar todas as galerias e ver todas as obras de arte ao ar livre. Recomendo demais. O ônibus que eu peguei sai direto da rodoviária, mas tem outro que sai de um ponto em frente a um hotel. Os horários são fixos, o meu saía de BH 8:15h e saía de Inhotim 16:30h, o que foi tempo suficiente. A ida levou cerca de 2hrs e a volta cerca de 1:30h. Há restaurantes e lanchonetes, mas é uma boa ideia levar lanchinhos na bolsa. Também é uma boa ideia levar bolsas grandinhas ou mochilas, você pode querer carregar garrafinha d’água, boné, protetor solar e/ou gurda-chuva e etc. Roupas confortáveis também considero indispensável.
Uma ótima viagem a todos! :)
:Dicas a bordo:
~ As veias abertas de Inhotim e suas feridas sociais;
~ Estou lendo o livro de ensaios “Falso Espelho: Reflexões sobre a autoilusão” da jornalista norte-americana Jia Tolentino e fascinada com os temas que ela escolheu e a precisão com que caracteriza nossa época da internet;
~ Essa conversa gostosa sobre cidades e fotografia no podcast Betoneira.
Até a próxima!
Luísa
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ensaio essa ida pro Inhotim e amei ver seu relato prático de como foi! me inspirou! <3
Vou pra BH em breve e pensei se dava tempo de incluir Inhotim no roteiro, agora que li seu relato, vai ter que dar!!!! Vou sozinha também, é bom ler dicas de quem viaja assim :)