Lugares de memória
Uma sereia abençoa uma fachada no Bixiga.
Hoje é dia de Zumbi. Um feriado pra lembrar a memória de uma liderança e de um povo que, contra tudo e todos a seu redor, lutou por sua liberdade. Nas últimas semanas voltei à Salvador de 1820 pra conhecer Kehinde, uma menina nascida no reino de Daomé, lugar que hoje se chama Benin e que foi sequestrada pra chegar aqui nos trópicos. Rebatizada de Luísa (!), ela conta da forma mais bonita tudo aquilo que parecia irreal, mas não era. O livro se chama Um defeito de cor, e eu já falei dele por aqui.
Não sou muito de pensar a cidade como turismo, não pq não curta, mas porque acho que a cidade tem muitos olhares a oferecer, mesmo quando é a que a gente vive. De fato, olhar pra própria esquina com olhos de novo ajuda a conhecer melhor a história as vezes invisível de onde a gente está. Recentemente um grupo de alunos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP criou um "Guia dos lugares difíceis de São Paulo", apresentando a cidade sem esconder suas cicatrizes. Entre os pontos escolhidos está o Parque da Juventude, que fica no local da antiga penitenciária de Carandiru, e a cracolândia, que o João Doria enquanto prefeito quis "limpar", esquecendo que as pessoas em situações de rua não simplesmente desaparecem só porque ele não quer vê-las. O projeto passa por rios canalizados, prédios que sumiram em incêndios e em breve os locais vão receber placas de informações "turísticas". O Brasil não tem muto costume de assumir suas feridas, como fazem Berlim, onde não falta museus e memoriais ao holocausto, e NY, onde o memorial das torres gêmeas é um grande vazio cercado por quedas d'água de forma que não se veja o fundo, por exemplo.
No Bixiga, aquele bairro que era ocupado por uma população negra antes de virar reduto dos italianos, tem uma praça simpática, nem muito pequena nem muito grande, que se chama Don Orione, e tá ao mesmo tempo perto da Paulista e da Brigadeiro, e colada na 13 de maio, ali quase no samba e na Achiropita. Um lugar realmente caleidoscópio, que cada canto sai uma cultura e um eixo de circulação urbana diferente. Lá é um dos "territórios" que vai receber a Feira Preta, que está comemorando 18 anos. Ali perto, na Ocupação 9 de julho, vai ter batalha de slam na galeria de arte deles, a Reocupa, imperdível pra conhecer uma história que ainda está em luta, a do espaço das minorias nas metrópoles brasileiras. Se você tá no Rio, em Salvador ou em qualquer lugar que fez parte desse trajeto, é um bom dia pra sair e fazer um turismo local, mesmo que seja de lugares invisíveis.
Uma ótima viagem a todos! :)
:Dicas a bordo :
~ Novembro em SP tem Feira Preta
~ O problema da uberização do transporte público
~ Guerras do Brasil, um doc na Netflix: se vc tá sem tempo, vê pelo menos o segundo episódio, sobre as guerras de Palmares.
~ Pegou fogo, no Japão, o Castelo de Shuri, patrimônio mundial, onde foi criado o Karatê :(
~ O mito da cidade inteligente ~ a Smart City ~vai servir somente à polícia
Até a próxima,
Luísa
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