Mas é você que ama o passado e que não vê
Não estamos em tempos de sentir orgulho do nosso país, ou de qualquer dos nossos lugares brasileiros, por assim dizer. Mas não foi sempre assim. Eu cresci em um Rio de Janeiro que, apesar de não ser mais capital real oficial, era o centro do Brasil. A cidade mais bonita, mais cara, mais quente, mais televisionada de todas. Acho que posso colocar a culpa no Manoel Carlos da minha dificuldade de lidar com a decadência do Rio nos últimos anos.
No maravilhoso episódio de podcast sobre seu livro, "Metrópole à beira-mar", Ruy Castro nos conta:
"O que aconteceu no rio entre o carnaval de 1919 e a revolução de 30? A resposta é: tudo. Isso mesmo, tudo. O Rio dos anos 20 era a grande metrópole brasileira, o centro das transformações, a cidade onde tudo acontecia. E esse é o cenário da nossa história. Quase sempre pensamos no passado como um lugar atrasado, mas em 1920, o mundo já tinha o cinema, a eletricidade, o automóvel, o avião, a teoria da relatividade, a revolução russa, o facismo, o feminismo, o futurismo e outros ismos. As grandes cidades de repente tinham tudo de moderno a oferecer, e o Rio era uma delas".
Tá, esse Rio eu não conheci, mas garanto que o espírito de vanguarda nos persegue aos cariocas século XX adentro. Violento? Nhé, eu "só fui assaltada 2x, e mesmo assim pq me distraí". Qual não foi a minha decepção ao perceber que em São Paulo o Rio chegava via Datena e as reportagens de "guerra". Que Manoel Carlos e o Leblon não ocuparam todos os imaginários coletivos como o meu, que a guerra do Iraque dava talvez menos medo do que o sequestros a turistas nas praias de Copacabana. Pra mim não. Alias nem dava tanta bola assim pro Leblon. Meu amor tinha seu foco ali em Botafogo, entre duas ruas, uma praça do metrô, três livrarias, quatro cinemas, perto de onde eu fazia inglês e passava tempo quando criança.
Mas essa história eu já contei. Hoje eu queria falar do orgulho que certas cidades emanam em seus habitantes. Tem aquele orgulho implicante das cidades muito grandes e problemáticas, como o rio, ou paris, ou nova york, em que só quem é de lá se sente no direito de falar mal. Tem também aquele anti-orgulho, como o de ser brasileiro e achar melhor tudo que vem de fora, que já recebeu o nome de síndrome de vira-lata. Tem o orgulho específico, como o mineiro com sua comida ou o o canadense com aquele receptividade inigualável. E tem o orgulho da identidade mesmo do lugar, que vem desde a história. Tem o paulistano, que conhece o lema da cidade estampado na bandeira: "Não sou conduzido, conduzo". Pois é. Gosto muito também do orgulho que encontro no estado de Pernambuco, alias o único que eu conheço em que os habitantes conhecem o hino e ele é cantado por Alceu Valença no carnaval! Conversando com alguns amigos de lá sobre essa questão, ouvi o seguinte da Marina:
"Pernambuco (e mais especificamente Recife) foi palco de grandes acontecimentos históricos importantes pra o país e pra o mundo. Uma das mais desenvolvidas capitais hereditárias era a de Pernambuco, a primeira sinagoga das Américas foi em Recife, quilombo dos palmares no interior, mandamos soldados pra lutar na guerra e etc. Então aprendemos desde cedo o valor que os pernambucanos tiveram. E passa de geração pra geração. Né mole não mas PE é ‘fora da curva’ hahahaha"
A naturalidade com que ela coloca em primeira pessoa os fatos históricos eu acho bonito. Também ouvi deles que até quase 1700 Recife era a maior cidade do Brasil, das famílias que se interessam por essas histórias e os levaram desde pequenos para conhecer os marcos da cidade, museus, Olinda, Itamaracá, o Forte na praia. "Não sei explicar de onde vem esse sentimento. Mas ele sempre esteve presente. Não sei se desde a educação, dentro de casa", disse o Rodrigo, lembrando também que foi uma capitania que sempre lutou por independência. Pra mim esse orgulho é contagiante. Junto com meu encanto pelo nordeste, acho que Recife é daquelas cidades que tem de tudo: museus, uma produção cultural incrível com um áudiovisual que se destaca no Brasil, luta pelo direito à cidade, história na palma dos pés (viva marco zero), sua própria Santa Teresa (desculpa gente, me rendi à essa comparação)- Olinda concentrada num morro cheio de ruas e arquiteturas históricas, modernismo, comida maravilhosa e praia, muita praia.
E apesar da minha nostalgia pelos tempos áureos do Rio, essa cartinha fica em homenagem aos meus amigos de Recife, os de hoje e os muitos que conheci ao longo da vida e que sempre me mostraram que é possível amar o passado e ainda ver que o novo sempre vem.
Uma ótima viagem a todos! :)
Até a próxima!
Luísa