“Para todos os jovens corajosos que viajaram com grandes sonhos
mas nunca voltaram pra casa”
Assim termina a série “O paraíso e a serpente”, que conta a história real da investigação de assassinatos de turistas na Tailândia da década de 1970. Uma punhalada nos corações turistas por aí.
Antes do Airbb existir, havia um sistema para quem queria viajar barato que chamava Couch Surfing. Acho que ainda existe mas suspeito que tenha perdido força (se você souber mais informações, essa newsletter agora tem espaço pra comentários, clica lá no final e me conta!).
Era uma proposta que tinha tudo pra dar errado, hospedar-se de graça na casa de pessoas desconhecidas, mas que na verdade dava muito certo, já jovens e não tão jovens do mundo todo gostam de explorar o mundo independente da verba. E, com essa vontade específica em comum, criava-se um acordo de confiança. A confiança tinha alguns recursos, como recomendações no site para bons anfitriões, descrições do lugar e das pessoas, acordos prévios quanto às acomodações disponíveis. Era possível também não oferecer sua casa, mas sua companhia, um amigo temporário pra conhecer a cidade do ponto de vista de um local.
Eu mesma nunca tive coragem de usar esse sistema mas, no período em que morei no sul da Espanha, dividindo apartamento, meus roomates e eu combinamos que toparíamos receber pessoas. Não me lembro de termos tipo grandes problemas. Lembro que conhecer pessoas estrangeiras era fascinante pra mim. Observar as impressões que eles tinham de um Brasil-promessa-do-futuro lá nos idos de 2010 também era bem legal, e eu puxava assunto com qualquer um em qualquer lugar e fiz bons conhecidos, colegas, amigas e amigos.
Tento pensar em tudo isso quando julgo os viajantes retratados em “O paraíso e a serpente”, séria incrível da Netflix, baseado em uma história real de um assassino na Tailândia na década de 1970 que tinha como principais presas turistas europeus. Na maioria dos casos retratados, os turistas conheciam o Charles (o assassino) e sua esposa informalmente, em um bar, em uma loja, eles iam construindo uma relação amigável e eventualmente os convidavam para se hospedar na casa deles. E é bem fácil pensar “mas gente você vai ficar na casa de um maluco que nunca viu na vida?” Bem ao estilo couchsurfing, mas com pequenas diferenças que garantiam não só a confiança, mas também a segurança de todos.
A caraterização de época é linda, Bankok, o núcleo das embaixadas e os turistas jovens europeus sentindo um gostinho de uma vida mais hippie. Os atores são incríveis, os protagonistas são muito sedutores, coerente com o perfil psicopata que seduz as presas para em seguida acabar com elas, e a crueldade se instala rapidamente.
Me chamou a atenção que, junto com a aleatoriedade dos crimes, a série inseriu um sentido de “injustiça social” que eu não entendi se aparece em alguma fala oficial do Charles, ou se foi uma liberdade poética pra amenizar tanta coisa. Um vilão bastardo, rejeitado pela família, cultiva um ódio pelos jovens privilegiados de países colonizadores que vão para a Ásia em busca de algum tipo de redenção ou aventura. Os turistas parecem inocentes. Seriam apenas jovens? Com a mesma facilidade com que conversam com estranhos, eles criam laços e aceitam a uma hospedagem mais confortável. Dormem na cama que oferecem, tomam a bebida que oferecem. Se sentem em casa? A confiança é a base de uma experiência de viagem mais simples, assim como é a de se abrir pra conhecer o novo, o desconhecido, se despir dos preconceitos e interagir com pessoas de cujas vidas nada se sabe. Talvez por isso seja tão cruel a forma como ele os adoece, os condena a identificar o golpe precisamente no momento em que não tem mais forças pra resistir.
O diplomata holandês Hermann Knippenberg é uma figura real que não desistiu de investigar o desaparecimento dos seus compatriotas, e por sua causa essa perseguição teve fim. A história é impressionante, a série é imperdível, vejam e me contem as histórias de viagens em que vocês passaram os maiores riscos.
Fico por aqui, não sem algumas fotos de quando eu tinha 22 anos em uma estrada no Marrocos, entre Marrakesh e a “porta” do deserto do Saara, por onde passei algumas noites com amigas e um grupo de aventureiros, que, olhando essa foto hoje, me parecem tão parecidos com os personagens do seriado.
Uma ótima viagem a todos! :)
:Dicas a bordo:
~ Por hora, só essa confissão do Charles Sobhraj à uma jornalista
Até a próxima!
Luísa
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