Um dia nos anos 1950 algumas pessoas decidiram derrubar uma montanha e cobrir parte do mar e é lá que fica o meu ponto de ônibus. O meu dia começa às 6h, o que poderia ser cedo demais, mas então eu lembro do ponto e acordo. Tomo banho, passo um café, como um pão, e de repente, as quatro paredes que cercam meu apartamento somem e dão lugar à uma terra que um dia foi mar e que hoje é parque. Vejo céu, vejo água, vejo grama, vejo árvores e uma passarela de concreto. Na ponta dela está o ponto de ônibus. Esse é o primeiro universo de uma manhã qualquer de um tempo que passou uma pandemia comprimida e que agora vê vida vê movimento vê tempo no sacolejar do ônibus.
Gosto de um conceito pouco abordado nos transportes metropolitanos: o contra-fluxo. Tá, é piada, mas gosto mesmo de atravessar duas cidades sem o inferno que é a experiência de uma rua com trânsito. Entro no ônibus, são 7 horas e, antes que eu perceba, já estou arrependida de não prestado atenção no parque do Aterro do Flamengo. Abri o celular como quem não quer nada e quando vi já estava no novo túnel Marcelo Alencar. Ainda dá pra chamar de “novo” esse túnel? Pra mim ele é, pois minha última vivência carioca foi cercada pelo debate derruba-não-derruba da perimetral. Um dia colega espanhol me disse “só achei curioso construírem um viaduto na frente da casa do rei”. Só um colega espanhol pra lembrar da importância do colonial prédio do Paço Imperial. Pois bem, caiu o viaduto.
Saio do túnel na última promessa de futuro olímpico do Rio: a avenida ladeada pelos galpões industriais de industrias que não funcionam mais, agora cobertos por grafites coloridos e asfaltos brilhantes. Quantos futuros ainda cabem no Rio?
Ainda que eu possa imaginar muitos deles, atravesso o verdadeiro portal da metrópole à beira-mar e me lembro porquê sentei no último banco do ônibus. Ele é mais alto e, quando passo pela ponte Rio-Niterói, a janela cobre a mureta de concreto e só vejo o mar, parecendo que estou num barco. A vista ofusca no sol batendo no espelho d’água, ora mais azul, ora cinza no tempo londrino que tem feito no Rio em 2022.
A saída da ponte entra em Niterói com um punhado de viadutos, avenidas e outras instalações industriais confusas, as quais o ônibus contorna em certa velocidade até alcançar a praça das barcas. Ali meu trajeto se alterna, ora desço e pego um taxi, ora atravesso para a pista do interior do centro da cidade, ora sigo no ônibus, até a praia da baía.
São quase 8 horas da manhã e a praia de Icaraí descortina a vista do Rio: penso que uma hora e uma ponte atrás eu estava ali do outro lado, como um pequeno ponto em movimento na floresta de prédios coberta pelas montanhas. Mas o tempo começa a apertar. Sigo bairro adentro a pé, esperando chegar na faculdade acordada.
A aula começa e detrás de mim carrego muitas paisagens, um sol forte entre as baldeações e um sensação gostosa de movimento. A volta pra casa é igualmente no contra-fluxo. A passagem do veículo, em “velocidade de veículo”, sem que eu o conduza, me permite estender a vista, pensar nos barcos parados na baía de Guanabara, na morte da bezerra, na vitória do Lula. São tempos de paz.
Chego em casa e aperto o botão do 6º andar, que era o andar que eu morava em São Paulo, porque apesar da paisagem, a força do hábito às vezes custa a mudar.
Uma ótima viagem a todos! :)
Esse final de semana a assisti ao “O texto e o tempo”, evento incrível sobre o mundo mágico das newsletters, o Substack e as possibilidades desse formato. Deixo aqui meus parabéns e agradecimentos às organizadoras, especialmente à Vanessa Guedes da “Segredos em Órbita”. Conheci muita gente legal, ganhei vários novos inscritos e aproveito a oportunidade pra deixar uma pesquisa rapidinha com meus querides leitores, então responde AQUI, por favor :)
:Dicas a bordo:
~ “Fui eu que se fechou no muro e se guardou lá fora”: saiu a segunda temporada de Manhãs de Setembro, seriado lindíssimo com Liniker, no Prime Vídeo;
~ No Rio, a Casa Roberto Marinho está com uma exposição dos artistas Juan Miró e Alexander Calder <3
~ Descobri a newsletter “Nueva decadência” na minha língua favorita, espanhol, que fala sobre livros, arte e moda, e estou apaixonada:
Até a próxima!
Luísa
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Adorei a edição! Me transportei pro Rio sem nunca ter ido de verdade (vergonha disso! Hahaha)
gostei demais desta edição <3