O que foi prometido ninguém prometeu, nem foi tempo perdido...
...somos tão jovens. E cheios de sonhos. Ouvi essa música lindamente tocada por um artista de rua na Avenida Paulista e é uma daquelas que não tem como não se emocionar. Ouvi na altura da consolação e fiquei cantarolando na minha cabeça até a estação Brigadeiro, na outra ponta.
Estou lendo o livro da escritora norte-americana Joan Didion: "Rastejando até Belém". Um título que já me chama a atenção pela ambiguidade maravilhosa da palavra Belém, que me remete a calor, Amazônia, uma cidade inventada no meio da floresta com muito açaí. E a capital da cultura cristã, a Belém árabe e antiga que figura nas frases mais bíblicas que você ouvir por aí. Didion nomeia esse livro, naturalmente, com o segundo sentido, em referência a um poema de William Butler Yeats, que consta na abertura do livro.
Yeats foi um poeta e dramaturgo irlandês que ganhou o prêmio Nobel de Literatura em 1923 e teve um convívio frutífero com Ezra Pound e T.S. Elliot, dois poetas americanos e controversos que abriram, por assim dizer, o movimento modernista na poesia. Época essa que deu o tom do que viria a ser o longo século XX, que Joan Didion testou registrar em seus escritos.
Em "Rastejando até Belém", Didion relata com muita sensibilidade as aspirações de jovens americanos que foram pra Califórnia tentar ganhar a vida ali pelos anos 1960. Assistindo seu documentário na Netflix me surpreendi em conhecer uma mulher forte e resiliente (ela perdeu o marido e a filha em um espaço de poucos anos) que marcou a literatura americana e de quem eu nunca antes tinha ouvido falar. Junto com Fran Lebowitz, sobre quem eu escrevi nessa cartinha não posso deixar de pensar que mulheres escritoras às vezes são menos divulgadas que os homens escritores, mesmo quando vem de um país que influencia tanto nossa vida brasileira.
O ensaio que abre o livro se chama "Sonhadores do sonho dourado" e, entre cidade e natureza, ela diz:
"(...) Outubro é o pior mês de ventania, o mês em que é difícil respirar e as colinas ardem espontaneamente. Não chove desde abril. Toda voz parece um grito. É a estação do suicídio, do divórcio e do pavor arrepiante, onde quer que o vento sopre.
Os mórmons se estabeleceram nessa paisagem sinistra e depois a abandonaram, mas não sem antes plantar a primeira laranjeira, de modo que pelos cem anos seguintes o Vale de San Bernardino atrairia um tipo de gente que imaginava poder viver rodeado da fruta talismânica e prosprerar em meio ao ar seco, uma gente que trouxe consigo as maneiras do Meio-Oeste de construir, cozinhar e rezar e que tentou enxertar esses costumes n terra. O enxerto tomou formas curiosas. Essa é a Califórnia onde se pode viver e morrer sem nunca ter comido uma alcachofra, sem nunca ter conhecido um católico ou um judeu. Essa é a Califórnia onde é fácil ligar para o Disque-Devoção, mas é difícil comprar um livro. (...). O futuro sempre parece atraente na terra do outro, porque ninguém se lembra do passado".
Em 2012, o presidente Barack Obama condecorou Joan Didion com a Medalha Nacional de Humanidades dizendo que "Hoje, após décadas de carreira, ela continua sendo uma das nossas mais agudas e respeitadas observadoras da política e da cultura americanas". Mais que merecido.
Uma ótima viagem a todos! :)
:Dicas a bordo:
~ "Uma aula sobre minimalismo" - essa reportagem sobre a obra de Joan Didion (The Guardian)
~ O jornal Folha de São Paulo completou cem anos (!!!) recentemente e fez uma série de reportagens muito legais, como as cartas para o futuro. O podcast Café da Manhã também produziu um programa bem interessante sobre o que será feito do jornalismo.
~ Como bostonaro levou para Brasília a lógica do condomínio (revista Piaui)
~ Sobre sonhos e ilusões: Christian Dunker sobre a atualidade do texto "Mal-estar na civilização", de Freud.
~ O sonho moderno do automóvel particular está parado na contramão: na Piauí, porque não discutimos os custos públicos dessa infraestrutura e, no podcast Tecnocracia, esse episódio super interessante sobre a história de Henry Ford.
Até a próxima,
Luísa