Palmeiras e arranha-céus
Horta das Corujas em um cantinho dessa praça enorme aí, no meio de São Paulo
Quarentena, 31º dia por aqui, completamos um mês. Nosso universo está em casa: vemos um cantinho de cidade pela janela e um cantinho de mato atrás dela, uma rotina de tentar manter as plantas (e as pessoas) vivas.
Para quem, como eu, nasceu em mundo tão urbano, é fácil esquecer que esse cenário é um tanto quanto recente no Brasil. Passei a infância num rio de janeiro já maior do que a cidade, seus braços avançando baía afora, estruturas inventadas rasgando espaços: pontes, viadutos, túneis. Conheci uma São Paulo salpicada de missionários trabalhadorers vindos de toda parte em busca da selva de pedra dinheiro. Esses dias andei buscando toda sorte de informação que não me levasse a micro-organismos e formas de contaminação, e topei com um texto sobre o quanto a modernidade no brasil se relacionava com a sua natureza. Quando nasceu, era um projeto de futuro pra um país muito rural. Até lá pelos anos 1970 (90 milhões em ação, pra frente Brasil, salve a seleção!) apenas 50% da população vivia em áreas urbanas. O moderno, ainda lá no início do século XX, nos condenava ao futuro ao mesmo tempo que precisava achar um senso de localização no meio de um território tão amplo.
As grandes cidades explodiram. Em 2010 já éramos 200 milhões vivendo 85% em cidades que asfaltaram tudo que viram pela frente e concentraram toda a selva dinheiro que puderam: São Paulo inunda bairros frescos de mansões enquanto espreme os trabalhadores ao longo das linhas de trem. Deu tempo? De virar urbano em 50 anos, de absorver o funcionamento da metrópole, onde não cabe todo mundo que parece? Pela janela televisão dá pra ver comportamentos campesinos por perto, poderes coronelistas, valores setecentistas e vestígios dela, a natureza.
De casa dá pra ver que o céu está mais azul - São Paulo está respirando mais sem toda a poluição de carros que dominam vias públicas com seus destinos privados. Como será que está o Ibirapuera, fechado até segunda ordem? Como passei quatro anos sem conhecer a Horta da Coruja, onde qualquer um pode colher comida de graça - aquilo que a natureza dá pra gente (com a colaboração de uns bons voluntários). Podemos confiar no que não é comprado? No mundo pós-apocalíptico, saberemos impor os valores verdadeiramente urbanos? Um urbanista quer nacionalizar a Amazon, uma metrópole quer poder ser agrícola, esforços coletivos querem salvar os restaurantes e bares, inúmeras ações de colaboração abrem frestas no sistema da desigualdade. Quem vai sobrevier?
Uma ótima viagem a todos! :)
:Dicas a bordo:
~ Um museu pediu às pessoas que reproduzissem obras de arte em casa e o resultado é a MELHOR COISA que aconteceu nessa quarentena (até agora, claro)
~ Contra a pandemia, ecologia
~ Esse lindo trabalho da fau usp sobre as arquiteturas do rio São Francisco
~ Sabrina Fernandes sobre chuva, cidades e desigualdade social
~ Horta das Corujas: um oásis em São Paulo, aqui apresentado pela incrível Irina Cordeiro
~ Luxos privados para poucos ou luxos públicos para todos? (The Guardian)
~ 2020: a década do New Green Deal
Até a próxima,
Luísa
PS. Quer ler as cartinhas antigas? Vai no View Letters Archive. Gostou dessa newsletter e quer compartilhar? Esse é o link. Se quiser responder à essa cartinha, é só responder ao e-mail mesmo, e é muito bem-vindo :)