Quem é brasileiro?
"O cacique Raoni Metuktire é um símbolo da resistência e força dos indígenas. E é assim que nós queremos ver o Congresso Nacional, ocupado por ele e por representantes de todos os povos originários do Brasil. Essa é uma semana histórica em Brasília. Milhares de índios de diversas etnias mais uma vez estão aqui para exigir direitos que a Constituição lhes garante, mas que são violados por aqueles que deveriam garanti-los. Queremos a demarcação das terras indígenas, cuja responsabilidade foi retirada da Funai e entregue aos ruralistas. Queremos o fim das invasões de grileiros, madeireiros, mineradoras às suas terras. Queremos o respeito à saúde indígena e a manutenção da Sesai. Queremos o fim da violência e do extermínio. Viva a luta dos povos originários!"
Essa foto e essa legenda são do instagram do Marcelo Freixo, falando do 15º Acampamento Terra Livre, que aconteceu em Brasília entre 24 e 26 de abril para discutir direitos e questões legislativas indígenas.
No começo desse ano, estava eu do alto da minha ignorância ainda achando que os indígenas no Brasil eram uma população bem pequenininha vivendo em lugares remotos e escondidos. Até que o Instituto Moreira Salles de São Paulo fez uma exposição sobre a fotógrafa Claudia Andujar, que viveu com os Ianomami, e lá tinha uma mapa mostrando que a área ocupada por essa comunidade indígena era assim, gigante. Mais de 9,6 milhês de hectares, quase o dobro do tamanho da Suíça, e isso só no Brasil, pois outra boa parte de seu território está na Venezuela. Me senti pequena na minha ignorância e ingenuidade.
Piratininga, Itaipú, Anhangabaú, Jabaquara, Ibirapuera, Itaú, Açaí, Mandioca. Tanto vocabulário no dia-a-dia lotado do mundo indígena, tanta comida, tanta coisa e eu achando que isso não tinha lá muito a ver com meu mundo metropolitano. Tudo bem que os Ianomâmis estão bem ao norte do Brasil, mas há comunidades indígenas em São Paulo, no Rio de Janeiro, na Bahia, bem pertinho. Você que está lendo essa newsletter e já fez uma daquelas viagens que incluem visita a uma comunidade, me conta como foi?
Não sabemos tanto dessas pessoas pois o interesse político no Brasil segue sendo o de apagá-los, de tirar suas terras. Assim como nas favelas, a política brasileira brasileira ainda não entendeu que vida está ligada à terra, à território. Que não existe essa coisa de simplesmente "remover" comunidades inteiras de um lugar para outro completamente diferente de uma hora para a outra. As pessoas criam relações com o lugar. E bem fortes.
No caso das comunidades indígenas, deveríamos mesmo é ouvir com bastante atenção, aprender sua forma de cuidar da terra, uma vez que que com a mineração já vimos os resultados. Há desenvolvimento econômico sem ecosistemas naturais? 2019 e ainda precisamos levantar essa pergunta? Os diversos povos indígenas precisam fazer barulho. Lá em brasília, exigiram medidas contra o esvaziamento da FUNAI e a demarcação de terras, o combate à municipalização da saúde indígena, o esvaziamento da FUNAI. Parece que estamos em 1500, ainda não reconhecendo que o lugar do indígena é onde ele está.
Também em abril foi lançada a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, com quase 250 parlamentares e protagonizado pela deputada federal Joênia Wapichnaa (Rede-RR), primeira mulher indígena que é deputada no Brasil.
Ibirapuera significa árvore antiga (pois em tupi-guarani o tempo está no substantivo e não no verbo). A área que hoje é o parque era parte de uma comunidade indígena antes da ocupação portuguesa em São Paulo, há alguns séculos atrás. Ita significa pedra, agora pensa em todas as palavras que você conhece que incluem essas três letras. Adoro o exemplo da Unila, Universidade Federald da Integração Latino-Americana, que é uma universidade criada em 2010 na fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai, em Foz do Iguaçu. Além de ter como idiomas oficiais o português e o espanhol, lida diariamente com criollo, guarani, quechua, achuar, yine, francês, árabe e inglês. Porquê nas bandas de cá as palavras indígenas fazem parte do nosso vocabulário, mas não do nosso aprendizado?
Pra nossa sorte, ainda há muitas comunidades indígenas co-habitando o Brasil conosco. O melhor que podemos fazer é preservá-las e aprender com elas.
(Foto que eu tirei na exposição da Claudia Andujar, em abril de 2019)
Uma ótima viagem a todos!
: Dicas a bordo :
~ O trabalho impressionante da Claudia Andujar no Instituto Moreira Salles de São Paulo está encerrada, mas estará na sede do Rio de 20 de julho a 17 de novembro. O site deles tem algumas das imagens e boas informações. Esta entrevista com a fotógrafa também tá bem legal.
~ Quem são e onde estão os indígenas no Brasil (Spoiler: segundo o IBGE, em 2010 somavam quase 900 mil pessoas, vivendo pouco mais de um terço em cidades e quase dois terços em áreas rurais).
~ Uma Gota no Oceano: Uma ONG de divulgação dos direitos indígenas e causas socioambientais.
~ Esse podcast sobre a questão indígena no Brasil (No Spotify, mas dá pra ouvir no site do NBW tbm).
~ Como a linguagem molda nossa maneira de ver o mundo (Lembra do Ibira-puera?) (TedX).
~ Bora conhecer as lideranças? Olha esse instagram da Sonia Guajajara: primeira indígena candidata à vice-presidência no Brasil (nas últimas eleições, vice de Guilherme Boulos). Hoje ela é Coordenadora Executiva da APIB - Associação dos Povos Indígenas do Brasil.
Até a próxima,
Luísa
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