Sotaque é sinal de coragem - parte 2
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Segunda parte da entrevista com o arquiteto português João Paulo de Matos:
5. Quando eu fiz intercâmbio na Espanha, a primeira viagem que fiz a Portugal me lembrou muito o Brasil, em relação à arquitetura (mas também à comida, fora, claro, o idioma). Você também viu semelhanças?
A primeira cidade histórica que visitei aqui no Brasil (para além do Rio, claro) foi Tiradentes. E fiquei chocado com as parecenças.
Quando cheguei a Ouro Preto, fiquei uns dez minutos olhando a cidade de cima porque mentalmente te transportas para alguma aldeia Minhota (minha região). Os nossos paises partilham uma boa parte da mesma a história, essas semelhanças são muito evidentes e deveriam bem mais estudadas pelos dois lados.
6. Atualmente você mora em São Paulo. Como é a experiência de morar em uma metrópole do sul global? Já se acostumou (hahah)?
Eu não resisti ao spoiler na primeira pergunta mas complementando: São Paulo é diferente de tudo o que eu já tinha vivido. Tudo é mais intenso e basicamente num lugar em que podes ser qualquer coisa e viver qualquer coisa ou ser e viver várias coisas ao mesmo tempo a chance de te perderes ou conquistares enormes feitos é grande.
Tem que se ter um substancial juízo para se viver aqui e é um lugar onde encontrarás o teu espaço caso tenhas um objetivo claro. A musica do Caetano Veloso, Sampa, resume maravilhosamente bem o que é viver aqui, principalmente para quem vem de fora.
É um lugar ao qual me acustumei, falta o mar, mas tem me ajudado a evoluir e isso é o mais importante.
7. Quais as principais diferenças que você viu na formação em Arquitetura e Urbanismo no Brasil e em Portugal?
Ambos os paises têm escritorios muitos bons. Repara que no Brasil não existe uma corrente clara e cada escritorio/ universidade adopta as referências de uma forma mais livre. É, no fundo, um retrado do Brasil: é normal que a arquitetura no Acre se preocupe com detalhes que não são o foco da arquitetura gaúcha ou paulista. Em Portugal existe uma referência mais clara aos atores mais importantes da arquitetura portuguesa. No que respeita à formação académica, no Brasil é mais livre e diversa enquanto em Portugal, a metodologia de ensino é mais uniforme e a diferença entre escolas é menor, mas ambas têm muita qualidade.
8. A partir de sua formação de arquiteto e urbanista, o que você considera positivo nas cidades brasileiras que você morou (Rio e São Paulo) e os pontos negativos?
A primeira coisa que impressiona no Brasil é a escala, tudo é muito maior do que estavamos acostumados. Qualquer cidade pequena, aqui no Brasil, tem mais gente que muitas cidades grandes na Europa.
Para não terminar a última pergunta com coisas negativas deixarei as positivas para o fim. O mundo de um modo geral é desigual, no Brasil e nas cidades brasileiras isso não é diferente e por vezes, infelizmente, é ainda mais descarado. Como havia dito acima, o brasil tem duas cidades na mesma cidade: a dos pobres e desfavorecidos e a dos ricos com medo dos pobres. Essa fronteira é sintomatica e evidente na Barra da Tijuca onde um plano diretor interessante levou a uma "avenida terra de ninguém" onde passas apenas de carro com medo de ser assaltado, ou em São Paulo, onde se expulsou quase todos dos centros e se criou uma espécie de anel da pobreza em redor do enorme centro urbano. Como se continua a querer duas cidades, o elemento em comum - o espaço público - e por consequência o transporte público, a escola pública, a saúde pública nunca poderão ter qualidade. Esse hoje é o grande defeito das cidades brasileiras.
Positivamente, eu gosto muito do jeito como as pessoas aqui vivem a cidade. Talvez pelo clima mais favorável, tende-se a usar mais o espaço público durante o ano inteiro. Quando falo em usar o espaço público falo no jeito mais espontâneo de o usar. Eu gosto disso. Além disso, tanto São Paulo como o Rio (mais evidente São Paulo) são verdadeiros lugares de troca, de oportunidades e de experimentação. Isso num primeiro momento é o que se espera de uma cidade e é a verdadeira razão para o êxodo rural (o antigo e o atual). Para quem tem cidades tão desiguais, o que se consegue fazer é muito louvável. Disse.
* * *
Mais uma vez, obrigada João pela conversa e
Uma ótima viagem a todos! :)
Até a próxima,
Luísa