Eu tinha 13 anos recém feitos. Me lembro que estudava no turno da tarde, estava na 7º série do ensino fundamental e ia de van escolar pra escola, o que fazia com que eu chegasse bem cedo. A cena que ficou gravada na minha memória tem eu conversando com uma amiga, sentada no chão de um corredor que a gente ficava enquanto as aulas não começavam. Eu não me lembro de ter a dimensão do que aquilo significou naquele momento. Lembro claramente da imagem dos aviões nas torres, claro, mas também lembro que elas não eram pra mim um grande símbolo de alguma coisa, e senti uma certa vergonha disso.
Lembro também dos anos seguintes em que a categoria “árabe” se tornou gradualmente problemática, e que não melhorou muito desde então. Lembro da minha mãe contando como voar de avião “antigamente” era uma experiência que envolvia cigarro e talheres de metal (sim, com facas também). O aumento do controle de segurança me leva rapidamente para Paris, 2018, quando éramos obrigados a abrir a mochila na entrada de qualquer coisa (faculdade, metrô, prédios institucionais quaisquer). E de quando visitei o cemitério de Père Lachaise em busca do túmulo de Jim Morisson e logo na entrada topei com uma foto recente, em boa resolução e em cores, de uma adolescente que havia falecido no atentado da casa de shows Bataclan. Como se 11/9 fosse um dia que havia permanecido de alguma forma. Mais pra alguns países do que para o Brasil, mas mesmo assim.
Agora, uma certeza que tenho é que nunca entendi direito a dimensão da altura daquelas torres. Mas na história da arquitetura não faltam análises do porquê ela estavam diretamente ligadas ao símbolo de poder maior de NY. A coisa é antiga: império romano, igreja católica, palácios reais, empresas capitalistas, a disputa de poder político e econômico atravessa a história das cidades buscando a imagem maior e mais imponente para seu habitat.
Quando concluídas, em 1973, as torres gêmeas tinham altura de 417 metros na torre 1 e 415,1 metros na torre 2 e eram os prédios mais altos do mundo. Como um Trade center internacional, marcavam pra que todos vissem, a nova era poder financeiro, volátil, especulativo. As torres balançavam levemente com o vento, engenharia necessária à sua sustentação, pois estruturas rígidas não suportam o movimento dos ares.
Em tempo: a Torre Eiffel tem 324 metros e foi inaugurada em 1889, para a exposição internacional. O prédio mais alto de São Paulo hoje tem 172 metros e é 5 vezes menor que o prédio mais alto do mundo, Burj Khalifa, que fica em Dubai, como na foto no começo desse texto e tem 828 metros de altura. O Edifício Altino Arantes, também conhecido como Banespão ou, mais recentemente, Farol Santander, foi inaugurado em 1947 como a maior construção em concreto armado da época, com 161 metros de altura e 35 andares em estilo art déco, querendo competir com o edifício “império do estado” americano, o Empire State Building. Este, por sua vez, tinha 381 metros de altura e 102 andares, mas, não satisfeito, ganhou uma antena no topo e chegou aos 443 metros, sendo o maior edifício do mundo até a inauguração das torres gêmeas do World Trade Center.
Sem a elegância da torre Eiffel, os “arranha-céus” espelhados chegaram no Brasil sem lá muita consideração pelo clima tropical e qualquer contexto local. Os anos 1990 trouxeram com força o debate da globalização e o fato de que todos os centros financeiros do mundo estavam ficando com a mesma cara de torres espelhadas. Não conheço Dubai mas pode-se dizer que a consideração desprendida em ultrapassar as barreiras das nuvens e não foi a mesma dedicada a representar o desértico contexto local, as particularidades da cultura árabe ou talvez nem mesmo o nível da rua, do solo urbano.
Já o memorial do 11 de setembro em NY segue de forma interessante o caminho do chão. Para o enorme desafio de representar o irrepresentável, de honrar a memória de tantas famílias em dor, e de uma cultura inteira, decidiu-se por criar dois enorme buraco, meio como cachoeiras, com um barulho constante e renovável da água corrente, preenchendo o vazio. O memorial fica no local onde antes estavam as torres gêmeas, mas foi construído não sem um novo World Trade Center. Uma torre alta, espelhada e, claro, ainda mais alta que as que implodiram. One World Trade Center tem 104 andares e 541,3 metros de altura.
Uma ótima viagem a todos! :)
:Dicas a bordo:
~ “O vento mudou de direção”: A jornalista Simone Duarte cobriu os atentados de 11/9 e lança agora um livro sobre as repercussões desse dia na vida de pessoas árabes. Dentre as entrevistas que ela deu de divulgação do livro eu recomendo duas: nos podcasts 451mhz e Ilustríssima conversa (ambos no Spotify);
~ “The sense of lost and absense” - uma entrevista com o arquiteto responsável pelo memorial do 11 de setembro. Me chamou a atenção o fato de que a equipe levou quase um ano para organizar nomes de pessoas que trabalhavam lado a lado de forma que fossem registrados também juntos. Que sutileza do tamanho de uma memória coletiva <3
~ Geração desastre: em tempos de busca por definições geracionais, a jornalista Anne Hellen Petersen entrevista, na sua excelente newsletter “Culture Study”, a psicóloga Karla Vermeulen, que “diagnosticou” a geração marcada pelo trauma dos desastres coletivos do século XXI, o 11/9 dentre eles;
~ “Quanto vale?” um filme de ficção muito interessante baseado no embate real entre as famílias de sobreviventes e o governo americano, por indenização, disponível na Netflix;
Até a próxima!
Luísa