Eu tinha por volta de 12 anos quando decidi que não assistiria mais filmes de terror. Horror, suspense ou quaisquer coisa que retratasse maldade gratuita, que me fizesse sair do cinema me sentindo mal. Não via mais sentido.
O primeiro filme que eu não assisti foi “O sexto sentido”, mas pedi pro meu irmão me contar a história todinha porque fiquei muito curiosa. Foi um caminho longo de evitar essas experiências em que não vi Game of Thrones, não vi Jogos mortais, não vi Making a murderer e outros sucessos que pipocaram por a, até que em 2018 eu não consegui não conhecer uma história.
Eu já era fã do Ian Mizanzuki pelo podcast Anticast, então quando ouvi a divulgação do Projeto Humano - Caso Evandro, fiquei curiosa. O primeiro episódio teve um efeito que não surpreendeu, crise de pânico, noites sem dormir e uma troca de emails com o próprio Ivan, que foi muito generoso, me explicou algumas coisas sobre o projeto, mas me aconselhou a não ouvir. Sobre o cerne desse tema, ele disse que infelizmente essas histórias acontecem na vida real, e que havia um sentido em contá-las. Foi uma conversa importante pra mim. Eu acompanhei o caso Evandro por um fórum e, assim como todo o seu grande público, fiquei feliz em descobrir que a história de terror não era verdade, mesmo que outra parte dela fosse.
Isso foi em 2018. De lá pra cá, o mundo virou de cabeça pra baixo, o jornal Sensacionalista perdeu credibilidade pras histórias do mundo real, o jornal Nacional não cansou de retratar cemitérios lotados. A minha vida também virou de cabeça pra baixo e o medo virou um sentimento que carreguei na bolsa, nos trajetos que não fiz, pra todas as reuniões virtuais que frequentei.
A cidade ganhou um ar de perigo digno de filmes e seriados de true crime, e eu inventei um jeito novo de lidar com os pavores que me habitavam: mergulhei a fundo nessas histórias reais que, alheias à minha própria vida, me davam um senso de perspectiva, de dentro do conforto do meu lar.
Pedi comida por delivery e me cobri com uma mantinha quente enquanto procurava no google maps onde ficava o prédio em que morava Elise Matsunaga em SP, um personagem real cuja vida foi alimentada de todas as violências que o mundo rural e urbano podem promover, e a multiplicou. Me compadeci de todas as pessoas que atravessaram o país em busca da cura por um fake guru no interior de Goiás. Me lembrei exatamente de quando era adolescente em Niterói e ouvi a aberrante história da von Richtoffen, e da sensação de São Paulo ser outro país. Mas ela morava no bairro do Campo Belo, que fica logo ali.
Nos últimos ano e meio, caminhei pela Paulista de máscara, me recusando a olhar pra minha casa-avenida como um cenário do filme Contágio, talvez negando a possibilidade da maldade existir no mundo assim como fazia na época de Pânico, Lenda Urbana e O Sexto sentido, mas não teve jeito, o noticiário me venceu. Sigo tentando pavimentar um caminho pra mim em que o medo não norteia todos os sentidos urbanos, ao mesmo tempo em que cultivo bons balizadores e antenas. Caminhos seguros. Existem?
Essa reflexão é um preâmbulo do que venho pensando sobre uma série que maratonei nos últimos dias e me fez viajar pelo mundo e pelo passado: “O paraíso e a serpente”. Um contexto de maldade gratuita, um cenário exótico, uma ambientação hippie, histórias tão reais quanto a palma da minha mão, que a viveu algumas vezes. Mas me estendi, então essa fica pra próxima edição.
Uma ótima viagem a todos! :)
:Dicas a bordo:
~ Começou a 45º Mostra nternacional de cinema de São Paulo <3
~ Essa linda parte do projeto Tiny Desk Concert dedicada à música latina
~ O Copan, edifício emblemático de Niemeyer em São Paulo, ganhou um podcast imperdível
~ Semibreve: uma newsletter bem gostosa sobre música
Até a próxima!
Luísa
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