As cores da noite na cidade
Cresci em dois dos tipos lugares menos urbanos que conheço: um condomínio fechado e um bairro exclusiva
mente residencial. O condomínio foi o lugar mais seguro que meus pais - e boa parte de sua geração - acharam pra criar seus filhos pequenos. Tinha um lago com patinhos, o que era até bem legal, tinha piscina e muito verde, mas cidade, urbana mesmo, tinha não. No bairro residencial também tinha verde. Tinha praia, padaria e tinha mosquitos, muitos mosquitos. Por isso, às 17horas, minha mãe fechava as janelas e a vida passava a acontecer dentro da casa. Tinha tv, tinha conversa, tinha leituras, mas noite na cidade? Não muito.
Em urbanismo, muito se fala sobre a importância de se planejar bairros com uso misto - moradias, comércio e serviços acontecendo simultaneamente. Isso confere o que a lendária Jane Jabobs chamou de "os olhos da rua", que seria a presença das pessoas na rua olhando o que acontece ao seu redor. O fato de que ter muitas pessoas compartilhando um mesmo espaço urbano o torna mais seguro, pois não faltam testemunhas oculares, além claro, de torná-lo também mais vivo e animado. Mas o que ele confere também é a noite - urbana.
Quando me mudei pra São Paulo uma das coisas que achava mais legal era a possibilidade de ir e voltar andando pra casa a noite, ou de ônibus, vendo muitas pessoas e luzes acesas pelas avenidas principais, pela Paulista do meu coração. Me sentia meio que em Nova York, mesmo sem nunca ter ido lá. Isso também me faz lembrar do roteirista do Greg News, Cadu Bacellos, que foi morto ano passado no Rio, à noite, na Avenida Presidente Vargas, que é bastante viva e movimentada de dia, mas deserta à noite. Não tinha o dono do bar pra ampará-lo, nem nenhum transeunte. Não que não ocorram assassinatos à luz do dia, mas que a hibernação da principal avenida do centro da cidade durante a noite é absurda, é. De todo o centro, de ser um bairro predominantemente ocupado pelos escritórios que só funcionam de dia. O oposto do bairro residencial. Mas um bairro que também não tem noite.
O céu de São Paulo a noite é vermelho - avermelhado - amarronzado, um tom de branco leitoso que não escurece jamais e que me disseram que é assim por conta da poluição. Mas ele tá lá, leitoso e cheio de nuvens, Às vezes com uma lua cheia, muitas vezes cheio de raios, no fim do dia, se você quiser ver, se você puder sair de casa a pé às 20 horas e isso for ok, se você tiver noite na cidade no lugar onde você mora.
Uma ótima viagem a todos!
:Dicas a bordo:
~ "A energia das pessoas dentro das casas transpirou para a rua e os próprios prédios revelaram-se vivos, por mais que os festejos tivessem sido cancelados" - Djaimilia Ribeiro na Quacincoum
~ Você saiu da casa dos seus pais para ter seu espaço ou por livre e espontânea pressão? Uma conversa dura e necessária sobre casa, convivência, respeito e dinheiro nas relações familiares.
~ Porque existe a escuridão da noite? (esse episódio do podcast Naruhodo com ciência e poesia)
~ Heloisa Buarque de Hollanda, do alto de seus 80 anos, em uma entrevista lindíssima sobre as transformações nas lutas culturais no feminismo das últimas décadas
~ Uma reflexão sobre newsletters, escrita, internet e financiamento com uma apresentação visual e textual de tirar o fôlego
~ Winter in America
Até a próxima,
Luísa