Recentemente, ouvi algumas pessoas dizerem que se sentiam burras, que estavam com dificuldades com algum processo de aprendizado. E curiosamente nessa mesma época vi algumas pessoas também falarem sobre como a internet pode nos iludir, entre comparações e edições elaboradas, sobre como as coisas levam tempo pra acontecer. Fiquei pensando.
Topei, por acaso, com um professor de educação física que explicou muito bem: mas afinal, o que na vida acontece rápido?
Na aula de projeto de arquitetura, muito trabalho precisa ser feito apenas para, em seguida, ser revisado. Uma angústia generalizada é o que a sala de aula presencia. Mas eu não posso seguir com essa solução? Eu insisto pela revisão das ideias. Pra isso, prezo muito pela simplificação da parte braçal do trabalho. Pra quê você vai desenhar a maçaneta de uma porta que você ainda nem sabe se vai ser de abrir ou de correr?
Um programa de computador que tem zoom infinito se apresenta como uma solução, mas, na verdade, gera um grande problema: definir tudo, saber tudo, de imediato. Em uma primeira vez. Eu não concordo com quem joga a ansiedade na conta da geração: sempre fomos ansiosos. Sempre foi angustiante começar uma disciplina de projeto e saber que você terá que desenvolver um conjunto de desenhos técnicos, um modelo digital e imagens editadas para apresentar um projeto que você também terá que desenvolver sozinho. Tarefas essas que, na vida real, são realizadas por muitas pessoas.
Mas sim, concordo que temos que entender o espírito do nosso tempo, e também por esses dias vi a Gabi Oliveira falar sobre a pressa do Tik Tok. Eu mesma, parando pra pensar, adorava ver vídeos de pessoas cozinhando, cebolas picadas, refogadas, uma coisa sendo construída é algo que me acalma. Mas faz um tempo o instagram não me mostra mais isso: tudo pipoca em uma sequencia de imagens aceleradas superpostas uma por sobre as outras e eu saio mais ansiosa do que entrei. De certo isso não colabora para que nossos jovens entendam que sem processo, não há vida.
Insisto com a turma, na mesma medida em que sustento olhares sofridos. No formato que as disciplinas são concebidas, na maioria das faculdades, fica uma ilusão no ar de que o projeto que é entregue na disciplina é um projeto “final”. E gostaria muito de um dia oferecer uma matéria específica sobre o que acontece depois do “foram felizes para sempre”. O projeto é ampliado, detalhado, chegam as instalações prediais, a compatibilização implica em mudanças importantes, executivo, obra, mais imprevistos. Em um processo muito coeso e bem feito, ou seja, raro, a ideia central se mantém quase sem alterações. Mas o problema disso é que o resultado fica todo na conta do “gênio criador” que faz tudo sozinho com sua primeira ideia brilhante e spoiler: isso não existe. Mas é muito mais fácil se sentir burro quando a expectativa é essa.
Tem uma história da carochinha que contam na arquitetura, que o Niemeyer projetou o Museu de Arte Contemporânea de Niterói , o MAC, almoçando com um colega, pegou um guardanapo e desenhou uma flor. Algo do tipo “o museu vai ser assim”. Corta para o museu pronto parecendo uma flor, ou um disco voador, ou uma taça, como quiser. Isso é tão prejudicial pra profissão, além de falso, que fica difícil construir com estudantes a ideia de processo de projeto. Vamos que fosse verdade. Ela pode existir como fato, pode até funcionar como uma anedota, um trecho um detalhe curioso. Mas não pode existir como discurso (sobre a profissão), porque a prática profissional não é assim. O processo criativo acontece por caminhos outros. Explicar toda a equipe que participa desses projetos de grande porte, todas as referências, consultorias, todas as ideias que dão errado, se mostram disfuncionais, desproporcionais, descontextualizadas, antes da rosa perfeita surgir no guardanapo. Toda a vida que existe por trás do starchitect, coletiva, silenciosa, secreta e tantas vezes invisível. Mas que sustenta todo o trabalho e alimenta todo o processo.
Uma ótima viagem a todos! :)
:Dicas a bordo:
~ Leandro Karnal desafia o ChatGPT. E confesso que to^achando ótimo esse bicho;
~ Sobre excessos e escolhas: Babi Bom Angelo explica como defender nossos quereres na literatura;
~ “O que é meu?” o livro sobre um pai caminhoneiro que anda dando o que falar.
~ A Lidyanne, do Estrangeirismos, escreveu sobre aprender francês e depois aprender holandês (!) e eu adorei:
~ Não saber é um oceano - esse desabafo da Aline Valek:
~ Uma arquiteta se aventura pelo mundo da confeitaria e o resultado não poderia ser mais lindo:
Até a próxima!
Luísa
Acho que só pro final da faculdade fui me dar conta que o processo (principalmente na sala de aula) é tão importante quando o produto. Essa ansiedade faz a gente querer pular etapas e acaba atrapalhando tudo. Mas é difícil mesmo entender que nem tudo é sobre o fim de um projeto - que na verdade não costumam acabar nunca, a gente só entrega mesmo haha
Acho que essa coisa do artista genial é tão prejudicial na faculdade de arquitetura. Sempre vi meus colegas passando muitas, muitas, mas muitas horas em cima de projetos que eles tinham que fazer sozinhos ou em grupos de trabalho pequenos em três meses (fora todos os outros projetos das outras disciplinas). Virar noites era uma coisa completamente comum. E, dependendo da dinâmica da sala de aula, tem sempre uma ideia de que aquilo não era o suficiente. E quando a gente passa para os escritórios é muito isso que você falou: vão ter várias pessoas em cima daquilo, vai levar meses e anos pra ficar pronto, vai e volta muuiiitas vezes com alterações e por ai vai. Por mais que na engenharia a gente trabalhe com projetos de construção também, parece que não ter esse peso do "gênio criativo" torna as coisas bem diferentes (acho que temos outros problemas, mas aí já é outra história haha). Muito legal esse debate e super importante essa perspectiva do processo enquanto docente. Com certeza faz toda a diferença para os estudantes! Adorei o texto <3