Um ano entre telas
No final de semana de 14 e 15 de março de 2020, eu fui para o Guarujá, e essa foi a última vez que eu vivi em um estado de normalidade pré-pandemia. Na segunda feira dia 16 de março, notícias com ares de ficção científica começaram a circular por São Paulo e, entre os meus, começamos a decidir suspender os compromissos na rua e ficar em casa. Desde então, temos dúvidas sobre o dia, a semana, o mês de amanhã. No meio de maio eu escrevi esse poema, que me parece ainda pertinente. A colagem que acompanha esse texto também foi publicada no belo projeto Desestrutura, uma das muitas iniciativas que tentou criar um espaço virtual pra algo que parecia tão pouco real, mas que, em 16/03/2021, ainda é. Ainda precisamos estar em casa. Nos cuidemos.
Telados, acostumados, com um futuro
Desenhado
Rabiscado, planejado,
Mapas de mundos sonhados
telados, derrubados, afastados
percebemos um mapa borrado
tentamos revisitar, redesenhar
a rota, em vão, viralizada
telados, (des)virtuados, visitamos
museus contemplados
registros renderizados
de uma realidade trançada
telados, grelhados, separados
estaremos todos distanciados
os medos que temos encrustados
guardados tatuados num domingo
telados, marcados, fritados
estaremos todos banhados
no óleo quente que escorre
das casas paneladas de pressão
telados, desencontrados, esmagados
contra a tela que já não é só parede
virou chão virou teto
a tela onde dormimos
virados
telhados, enjaulados, visitados
somos conhecidos por todos
olhados, ao vivo
"Macaco, praia, carro, jornal, tobogã"*,
eliminados
desabitado
guardado
longe do vizinho
na poltrona do condomínio
nos vimos reduzidos ao
tão perto
um amor
boquiaberto
maior que a tela
desperto
pronto pra estar
janela".
Uma ótima viagem a todos! :)
*PS.: Trecho da música "Ouro de tolo", de Raul Seixas.
Até a próxima,
Luísa
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