A adolescência é aquele período da vida em que a pessoa tem o corpo do tamanho de um adulto e a cabeça oscilando entre ser-e-não-ser-mais criança. Enquanto alguém que não é responsável pelos próprios atos (ao menos no Brasil), o adolescente é alguém que tem o corpo do tamanho de um adulto, mas tem outro adulto pra cuidar dele. Eu adoro uma cena de Gilmore Girls em que a Lorelai e a Rory estão num hopital há algumas horas acompanhando um familiar. Lá pras tantas elas já estão exaustas e a Rory deita ao longo daqueles bancos com vários assentos um do lado do outro e a Lorelai a cobre com um casaco. Um adulto não pode simplesmente deitar naqueles bancos, ocupando todo aquele espaço, e relaxar. O adolescente pode.
E é porquê um adolescente não tem um cérebro totalmente formado que é difícil dizer o que ele pode e não pode fazer sozinho. “Porque ele estava andando na rua às 22hrs da noite?”, perguntaram sobre o menino da tal série que retratou um crime pesado. Em cidades pequenas, é comum que adolescentes, e mesmo crianças, circulem sozinhas. A cidade é segura, as pessoas se conhecem, há uma sensação de amparo. Nas cidades grandes e nas metrópoles, isso beira o impensável.
É muito difícil alcançar o que acontece na adolescência por um motivo meio bizarro: todo mundo que tenta se debruçar no assunto, já sendo um adulto, não tem mais tão perto a referência da sua própria adolescência, e mesmo quando tem, o mundo era outro. Depois, o caminho seria conversar com um adolescente. Porém, sabemos conversar?
O paradoxo é angustiante: a internet abriu um oceano de conexões, vida e pertencimento para pessoas que moravam em cidades pequenas e não se identificavam com a vida que se propunha ali. Não dá pra reclamar da internet em si (de tudo, gente, não dá). Nas metrópoles, você se cerca das grades do condomínio pra viver a certeza (ilusão) de que elas trazem proteção, e depois transfere a lógica do controle para todas as áreas da sua vida pensando garantir que seu filho adolescente está seguro na internet porque você monitora coisas com “controle parental”. Mas e a conversa?
O adolescente quer liberdade pra descobrir quem quer-vai-poder ser. O adulto quer liberdade pra se sentir dono da sua vida. Você sai da cidade pequena pra ter liberdade de escolha, você muda para a cidade pequena pra ter liberdade de tempo, você vai pra metrópole pra ter liberdade do anonimato, você entra na internet pra ter liberdade de navegação. Aí você descobre que liberdade sob vigilância não funciona e que vigilância não é conexão porque não é cuidado. A internet não consegue oferecer conexões em certo nível por que, invariavelmente, somos seres co-dependentes:
E depois, o corpo. Nada, nadinha, nenhuma tela, dm, mensagem de voz ou vídeo que seja, substitui a experiência do corpo. A cultura norte-americana que se impõe sob nós dá a maior vazão do mundo para o sentido da visão, e aí a gente deposita nossos valores compartilhados na aparência e na visualidade enquanto que toda a nossa experiência na terra é mediada pelo nosso corpo. Então, a gente precisa reaprender a conversar com o corpo todo, e eu realmente acho que esse é a melhor alternativa pra voltar a nos conectarmos com os adolescentes e com os jovens em geral. Conversar com o corpo todo, pra poder confiar com o corpo todo. Pra poder deitar em um espaço de uso coletivo e fechar os olhos, sabendo que que você está seguro. Conversar significa perguntar e aguardar. Sentar e suportar o peso da coluna. Respirar e ouvir. Sentir o cheiro, o vento, o gosto. Não reagir por reagir. Escutar o outro e perceber que você sustenta a espera e se transforma nesse encontro. Não tem liberdade maior.
Uma ótima viagem a todos! :)
: Dicas a bordo :
~ “Imagina que uma empresa tenha acesso a todos os seus passos, todos os seus dados e tudo que você faz. Agora imagina que uma empresa ganha muito dinheiro com isso, e você não”. - Ora Thiago traz uma reflexão sobre o filme “O Show de Truman” e os nossos tempos
e suas reflexões maravilhosas sobre se relacionar~ Brotou uma floresta no meio de São Paulo
~ Uma das melhroes reflexões que vi sobre a série “Adolescência”
~ “Entre Apocalípticos e Integrados, foderemo-nos todos” -
sobre a crise da IA e o trabalho criativoAté a próxima!
Luísa
Nossa, é mesmo, Marcelo, tem até aquela expressão em inglês que junta os 3 anos com o termo teenager né? Ótima percepção!
Às vezes comparo a adolescência com o começo da infância, dos 2 aos 4 anos. Em ambos os casos rola uma frustração gigante por nao ter a permissão pra fazer o que têm vontade, apesar de começarem a ter certos poderes sobre o próprio corpo, e rola um período de drama exagerado por situações simples. Crianças não conseguem dizer o que querem que a gente entenda. Adolescentes pensam que os adultos nao conseguem entender o que eles querem. Gosto bastante da newsletter!