Botafogo, meio de alguma semana ansiosa, fim de tarde. Uma cena que volta a se repetir na minha vida desde que me entendo por gente: sentar em uma esquina bem urbana do rio, esperando alguém ou alguma coisa acontecer, estipulando formas de fazer o tempo passar, tentando gastar o menos possível mesmo tendo que pagar 15 reais por ovos mexidos. Comendo ovos mexidos no meio da tarde para fingir que estou em casa, quando sei que prefiro estar aqui do que estar em casa, porque talvez isso aqui mesmo assemelhe-se à casa, uma vez que é a coisa que mais fiz na vida, toda a vida, desde criança, estar na cidade, por toda a cidade, esperando algo ou alguém acontecer.
Nada mais relaxante para a minha cabeça do que estar totalmente exposta à cidade e ainda ter um teto sob a minha cabeça. A varanda: a melhor invenção arquitetônica da humanidade que vive sob os trópicos. É como um chapéu sobre a cabeça, mas no corpo todo. Devidamente protegida, eu vejo: o exato ângulo em que as duas placas da esquina se dividem: Rua Nelson Mandela, Rua Voluntários da Pátria. Tapiocas recheadas. Um bebê pendurado em um sling, de cabeça pra fora. Para fora da cidade, como eu. Cadeiras vazias, piso de madeiras, luzinhas festivas, céu cinza, é verão no rio de janeiro, mas chove, para a graça de todos os felizes infelizes que precisam estar na rua. Que precisam estar fora de casa, ou que se sintam em casa fora de casa.
Eu esperava sempre, muito, com a minha mãe e o meu irmão. Minha mãe lia livros na época que as livrarias tiveram a brilhante ideia de colocar sofás pras pessoas. Meu e irmão e eu corríamos pelos shoppings, pelos livros, a gente pentelhava minha mãe, a gente comia waffle essa iguaria tão brasileira que sei lá por quê servia no café dentro da livraria dentro do shopping. Minha mãe sentada lia livros inteiros eu achava o máximo poder ler livros dentro do shopping sentada enquanto eu mesma corria por entre as estantes. A livraria morreu virou uma loja de tênis com ela morreu também meu plano de ler livros comer waffles com meus filhos o capitalismo não respeita as memórias de ninguém.
Depois que meu irmão e eu crescemos, minha mãe passou a ter medo da cidade. “Mãe, vou ali na praia e já volto”. “NA PRAIA?” Era sua reação assustada qualquer que fosse o destino. Um dia, quando eu morava em São Paulo, ela me ligou pra dizer que estava havendo brigas na cracolândia. Você pode adivinha o quanto eu morava longe dali. Pra nossa sorte, não teve jeito dela incutir esse medo na gente, já tendo nos levado para uma experiência tão intensa, tão cotidiana, de estar no espaço público, da cidade*. Nunca entendi quem vê a cidade em que vive como um país estrangeiro. Que não fala sua língua, não conhece seus meandros. Que tem medo de pegar um ônibus, de atravessar a rua, de sentar no banco da praça, de pedir informação pra um desconhecido, de tomar um café sozinho. Acho que a cidade vale mais como amiga, às vezes arisca, às vezes chuvosa, mas que acolhe e dá bons conselhos quando menos você espera.
Uma ótima viagem a todos! :)
*Ps. Vale registrar, não tô falando de violência urbana, de racismo, de assédio e demais crimes, que claro, existem e dos quais se deve ter medo.
:Dicas a bordo:
~ A luta de classes em uma enchente - texto da incrível
~ O CAU - Conselho de Arquitetura e Urbanismo, na regional do Paraná, está cadastrando voluntários para possíveis projetos de reconstrução do RS
~ Governo do Rio Grande do Sul quer construir cidades provisórias - não seria o caso de construir comunidades mais sustentáveis?
~ Eu sempre gosto do que a Fernanda Torres tem a dizer - linda entrevista sobre vida, tempo e gerações que ela deu pra Tati Bernardi
~ A FLIP desse ano já tem data, mas eu não gostei - volta, julho!
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Até a próxima!
Luísa
Nossa, eu adorei esse texto. Hoje mesmo andando de metrô em SP (coisa que eu fazia todo dia e agora faço pouco, coisas de home office) fiquei pensando como eu adoro pegar metrô e eu adoro saber andar de metrô, ter essa ginga de transporte público me deixa com orgulho de ser uma caipira da cidade. rs De toda forma, além disso, seu texto me encorajou para a mudança para o Rio de Janeiro. Tenho um certo temor da cidade nova, mas seu escrito fez eu pensar: é uma cidade, e de cidade eu entendo. rs Beijo!
Viver a cidade da forma que você descreveu, pra mim, significa liberdade <3 Seja na qual eu moro há 12 anos ou em cidades nas quais turisto, visito assim: explorando cada meandro e vivendo ela ao máximo. (Acho que é resquício de quem cresceu em uma cidade minúscula, então só topava com gente conhecida e tinha que cuidar tudo que fazia hahaha).